sexta-feira, 25 de julho de 2008
terça-feira, 1 de abril de 2008
Anselmo Vasconcelos é um gigante naquilo que faz.
Participei de sua oficina de interpretação teatral da cidade de Gramado. Percebi toda a sensibilidade do ator e o interesse do professor, que aos poucos, com sua habilidade foi despertando em cada participante a sua criança interior.
Para mim foi uma surpresa muito grande e uma experiência indescritível, ver Anselmo com seu carisma e muita simplicidade, dividindo de uma maneira afetiva, a sua vasta experiência, mostrando o caminho para essa criança antes adormecida.
Sua oficina proporcionou a nós participantes através daquelas intensas trocas, curiosidades, mudanças e a necessidade de uma busca constante. Não saímos da mesma maneira que entramos.
Parabéns... obrigada Sel !
Fá... Koetz
Participei de sua oficina de interpretação teatral da cidade de Gramado. Percebi toda a sensibilidade do ator e o interesse do professor, que aos poucos, com sua habilidade foi despertando em cada participante a sua criança interior.
Para mim foi uma surpresa muito grande e uma experiência indescritível, ver Anselmo com seu carisma e muita simplicidade, dividindo de uma maneira afetiva, a sua vasta experiência, mostrando o caminho para essa criança antes adormecida.
Sua oficina proporcionou a nós participantes através daquelas intensas trocas, curiosidades, mudanças e a necessidade de uma busca constante. Não saímos da mesma maneira que entramos.
Parabéns... obrigada Sel !
Fá... Koetz
sábado, 29 de março de 2008
Para o estudo da Palavra
SEMÂNTICA HISTÓRICA
Afrânio Garcia (UERJ)
1- INTRODUÇÃO
Muitos filólogos e estudiosos da história da língua esquecem-se, durante o transcurso de suas pesquisas, de que assim como as palavras mudam sua forma e sua sintaxe através dos tempos, também seu significado vai se modificando com o passar dos anos, em decorrência de uma série de fatores sociais e culturais.
Na minha pesquisa atual, intitulada “Relativismo lingüístico: relações entre semântica, cultura e sociedade”, tenho me dedicado ao estudo das diferenças de significação das palavras da língua portuguesa atual não só em relação à sua significação em outros estágios da nossa língua, como também em relação à significação de palavras sinônimas em outras línguas, tentando descobrir as diferentes nuances de significação que estas palavras possuem em outros estágios da língua ou em outras línguas, através da comparação de seus contextos sintático-semânticos e, quando necessário, pragmáticos.
Na tentativa de determinar os motivos que levam a essas diferentes acepções de uma mesma palavra através dos tempos, ou de palavras sinônimas em línguas estrangeiras, costumo encontrar fatores sociais, culturais, antropológicos e históricos interessantíssimos, que muito engrandeceriam a pesquisa filológica, se os ilustres pesquisadores normalmente não esquecessem do “detalhe semântico” nas suas pesquisas.
Este trabalho tem por finalidade rememorar, ou até apresentar, conforme for o caso, as principais mudanças semânticas, suas características mais marcantes e seus fatores determinantes, com profusão de exemplos explanatórios, chegando mesmo a discorrer sobre a história desta ou daquela palavra, cuja história confunda-se com a própria história da humanidade, com o objetivo precípuo de despertar a atenção dos senhores pesquisadores e filólogos para a importância e dimensão que a semântica histórica tem no estudo dos textos da língua portuguesa e da própria língua.
O suporte teórico para este trabalho é, quase que exclusivamente, o excelente livro “Semântica: uma introdução à ciência do significado” de Stephen Ullmann, até hoje a melhor obra a tratar de semântica histórica e mudança semântica.
2- POLISSEMIA
A principal causa da mudança semântica, ou seja, da mudança de significado de uma palavra através dos tempos, é a polissemia, que consiste no fato de uma determinada palavra ou expressão adquirir um novo sentido além de seu sentido original (do grego polissemia = muitas significações). A seguir, veremos alguns exemplos que ilustram como esse processo que leva à mudança semântica é extremamente produtivo e diversificado.
1) A palavra gato, do latim catu(m), servia para indicar originalmente um tipo de felino de pequenas dimensões; como este felino tem o hábito de andar silenciosa e furtivamente, a palavra gato adquiriu, por um processo metonímico de associação entre o modo de andar de um ladrão e de um gato, o sentido de ladrão, gatuno; mais modernamente, um outro tipo de associação metonímica, entre a beleza de um gato e de seus movimentos e a beleza de um jovem, gerou para a palavra gato um novo significado, de homem belo, com seu feminino gata; por último, a idéia de gato como ladrão associada ao fato de que o felino gato gosta de escalar postes e fios levou ao surgimento de mais um novo sentido para essa palavra: instrumento para roubar luz dos fios ou postes.
2) A palavra fazenda, do latim vulgar fac(i)enda, significava originalmente as coisas que devem ser feitas; ainda no português arcaico passou a designar não mais as coisas a serem feitas, mas as coisas já feitas por alguém ou em algum lugar; desse segundo sentido, desenvolvem-se dois outros sentidos, de conjunto de bens ou haveres, sentido em que aparece em Vieira, visto que quando alguém faz algo, esse alguém provavelmente passa a possuir o que fez ou o produto da venda daquilo que fez, ou de mercadorias ou produtos de uma determinada pessoa, povo ou região, sentido em que aparece constantemente no século XVIII; dessas duas acepções da palavra fazenda, desenvolve-se uma quarta, de recursos financeiros do poder público, até hoje presente em determinadas expressões, como Ministério da Fazenda, Secretaria da Fazenda; da idéia de fazenda como mercadoria ou produto desenvolvem-se dois outros significados: grande propriedade rural, onde são gerados vários produtos agrícolas, e pano ou. tecido, visto que com a chegada da Revolução Industrial o primeiro produto, a principal mercadoria a ser produzida em larga escala foi o tecido (vale a pena mencionar aqui o uso do termo fabric do inglês com o mesmo significado).
3) A palavra olho, do latim oculu(m), indicava originalmente o órgão da visão; com o passar dos tempos, através de inúmeras associações metonímicas e metafóricas, passou a indicar também várias coisas que tivessem a idéia de círculo, de orifício ou de centro, tais como olho da batata (calombos circulares da batata), olho da letra (espaço circular em letras como b ou p), olho do furacão (o centro do vórtice de um furacão), olho d’água (um buraco, geralmente circular, que se enche de água), olho do queijo (buracos que se formam na fermentação de determinados queijos), botar no olho da rua (idéia de centro da rua), etc.
4) A palavra estilo, do latim stilu(m), designava originalmente uma pequena haste usada para escrever, um tipo de caneta antigo; em associação com essa idéia de escrita, desenvolve-se um novo sentido para estilo, que passa a indicar a maneira específica de escrever ou falar de uma pessoa ou de um grupo de pessoas: estilo conciso, estilo afetado, estilo didático, etc.; a partir desse segundo sentido, desenvolve-se a idéia de estilo como precisão ou perícia no escrever: ele escreve com estilo; também a partir do sentido de maneira de escrever, desenvolve-se um quarto sentido, mais nitidamente literário, de características específicas de um autor ou grupo de autores, como quando falamos do estilo de Machado de Assis ou dos estilos de época; como há até bem pouco tempo o ato de escrever era um apanágio da classe dominante, sendo a maioria do povo analfabeta, a palavra estilo adquire um novo sentido, de refinamento, de bom gosto, como em móveis de estilo, um homem de estilo; por último, o sentido original da palavra estilo, de pequena haste, é recuperado na palavra estilete, indicando punhal fino, pequena haste de grafite, etc.
Repare-se que, em certos casos, os novos significados passaram a existir, mas a palavra conservou seu significado original, como em gato e olho, enquanto que, em outros casos, o significado original da palavra deixa de existir ou de ser usado, como em fazenda e estilo.Se adotarmos uma postura restritiva, podemos dizer que, no primeiro caso temos uma variação semântica, quando dois ou mais significados concorrem numa mesma palavra, e que só no segundo caso temos realmente uma mudança semântica, quando o significado original da palavra deixa de existir (ou de ser usado) e ela passa a ter somente o(s) novo(s) significado(s). Mas essa divisão entre variação semântica e mudança semântica é um mero detalhe, já que em ambos os casos a palavra desenvolve um novo significado.
Mais importante do que ficarmos divagando sobre a diferença entre variação semântica e mudança semântica, no entanto, é identificarmos os processos que levam a essa variação ou mudança semântica, como veremos a seguir.
3- METONÍMIA E METÁFORA
Os processos mais comuns que levam à mudança no significado de uma palavra são as metonímias e as metáforas. Invertemos propositalmente a ordem em que esses termos são apresentados nos compêndios de semântica porque a metonímia é muito mais comum como processo propiciador da mudança de significado do que a metáfora. Isto porque, de acordo com a definição tradicional, a metáfora é um processo que envolve uma similaridade de significados, ao passo que a metonímia é um processo que envolve uma contigüidade de significados. Ora, para termos uma similaridade entre dois significados temos que ter uma relação mais ou menos rígida, em que um significado se assemelhe de uma forma razoavelmente nítida ao outro; já para termos uma relação de contigüidade entre dois significados basta que o feixe de fatores constituintes de um dos significados tenha algo a ver com o feixe de fatores constituintes do outro significado, ou seja, que os dois significados tenham algum ponto em comum. Esse ponto em comum pode assumir inúmeras formas, abranger vários tipos de relação, como parte-todo, continente-conteúdo, lugar-coisa, coisa-característica, causa-efeito, formas, objetivos ou funções comuns, e tantas outras aproximações que nossas mentes fazem constantemente entre um significado e outro na tentativa de melhor agrupar e apreender a enorme realidade, como disse Drummond.
Também não separamos a metáfora da metonímia porque, embora em algumas ocasiões a distinção entre metáfora e metonímia seja fácil e nítida, outras há em que mesmo um professor tarimbado e competente fica em dúvida sobre como classificar a associação que se estabelece entre dois significados. Por exemplo, quando Drummond fala “peixes circulando sob o navio que leva essa mensagem” em que o navio remete, nitidamente, para o poema, temos uma metonímia, em que o autor aproxima a função do navio (ir de um porto a outro) da função do poema (ir de uma alma a outra), ou temos uma metáfora, em que o poema é semelhante a um navio, indo de um lugar ao outro no mar da vida. Dificílimo optar por esta ou aquela interpretação.
A metonímia é bem mais produtiva do que a metáfora como processo modificador do significado das palavras. Uma das suas ocorrências mais freqüentes é na criação de nomes para novos objetos, conceitos ou ramos do conhecimento, e é interessante notar que muitas vezes, embora estas novas denominações sejam extremamente transparentes, raros são aqueles que percebem sua origem como veremos nos exemplos abaixo.
5) A palavra avião, do francês avion, significava ave grande; quando foi inventado um aparelho com asas que voava, nada mais normal do que chamá-lo de avião.
6) A palavra tela indicava um tipo de tecido; quando o cinema foi inventado, ele era projetado num retângulo deste tecido montado sobre uma base, que passou a ser chamado, muito simplesmente, de tela; com a chegada da televisão e outras formas de vídeo, o termo tela generalizou-se para designar a porção plana do aparelho onde se projetam as imagens.
7) A palavra caneta foi inicialmente usada para indicar um pequeno tubo, uma pequena cana, à qual se ajustava uma ponta para escrever; o uso do termo caneta se generalizou, mas praticamente ninguém, a não ser um pesquisador de semântica ou história da língua, o associa a uma pequena cana.
8) A palavra músculo designava um pequeno rato, sendo o diminutivo do latim mus (que deu origem ao mouse do inglês); como os médicos da Idade Média, ao olharem para o músculo exposto de um paciente, o acharam parecido com um filhote de rato, sem pêlo, deram-lhe o nome de musculu(m), que se mantém em várias línguas até os dias de hoje.
Já as metáforas são bem menos produtivas, talvez por serem mais profundas e poéticas, na evolução de novos significados das palavras. Também nesse caso, a maioria dos falantes muitas vezes não faz idéia da origem da palavra, embora seja bastante óbvio, como veremos nos exemplos seguintes.
9) A palavra ferina tinha o sentido de próprio de fera, feroz; hoje em dia é muito comum se ouvir falar em linguagem ferina, crítica ferina, etc., mas a maioria dos falantes do português a entende como maldosa ou cruel, sem associa-la a fera.
10) A palavra terno provém do latim teneru(m), que também deu tenro, significando originalmente tenro, mole; da imagem metafórica de uma pessoa mole, que se deixa paralisar pelos sentimentos, sem vitalidade, surgiu o significado atual de terno, como afetuoso, brando.
11) A palavra porco indicava originalmente uma espécie de animal e passou a indicar, por um processo metafórico, as pessoas que são sujas como um porco.
4- MUDANÇAS PEJORATIVAS
Muitas mudanças de significados são pejorativas, ou seja, palavras de sentido positivo ou neutro adquirem um matiz pejorativo. Essas palavras são importantes por retratarem os hábitos, os pensamentos e os preconceitos de uma determinada época, como veremos nos exemplos que se seguem.
12) A palavra vilão tinha o significado original de habitante de uma vila; devido ao preconceito que as pessoas da época tinham contra os pobres, que moravam nas vilas, a palavra vilão foi desenvolvendo, pouco a pouco, o sentido de grosseirão, malvado.
13) A palavra rapariga tinha (e, em Portugal, ainda tem) o sentido de moça, mulher jovem; como muitos homens abastados de outrora tinham raparigas como concubinas, o português do Brasil passa a diferenciar moça (necessariamente virgem) de rapariga (que podia ou não ser virgem), ficando o termo rapariga, principalmente no Nordeste, quase como sinônimo de prostituta.
14) A palavra criado tinha o sentido de uma pessoa, órfã ou filha de pobres, que era criada como filho por uma família; como a hipocrisia e a crueldade que sempre caracterizaram a sociedade brasileira transformava esse “filho adotivo” num empregado doméstico sem salário, a palavra criado adquire o sentido de serviçal doméstico.
Às vezes, as mudanças pejorativas têm por origem um eufemismo (palavra usada em lugar de outra, para atenuar seu sentido negativo ou ofensivo), que perde sua razão de ser, como é o caso dos exemplos seguintes.
15) A palavra cretino, usada hoje em dia para indicar uma pessoa de pouca inteligência ou estúpida, provém de uma palavra francesa que significava cristão; como era costume usar-se o eufemismo pobre cristão ou cristão para designar os loucos, a palavra adquiriu aos poucos o sentido de louco e finalmente seu sentido atual.
16) A palavra idiota significava simplesmente diferente; como era usada para indicar os deficientes, principalmente os deficientes mentais (à maneira da palavra especial hoje em dia), aos poucos adquiriu esse sentido, de deficiente mental, de estúpido.
5- MUDANÇAS AMELIORATIVAS
Um outro tipo de mudança de significado é aquela que Ullmann chama de ameliorativa, em que uma palavra de sentido negativo (ou neutro) adquire um sentido positivo. Normalmente, tratam-se de termos grosseiros ou jocosos que são atenuados com o passar dos anos, como podemos constatar abaixo.
17) A palavra perna indicava originalmente perna de animal (equivalente aos termos atuais pernil ou pata); devido ao seu constante uso em relação às pernas do seres humanos, ela adquire o sentido de perna humana ou animal, que mantém até hoje.
18) A palavra barriga era pejorativa, significando inicialmente barrica (pequeno barril); com o tempo ela passa a indicar o ventre, seja magro ou gordo.
19) A palavra marechal indicava tão somente o criado das cavalariças; com o tempo, ela vai ganhando importância, até significar o posto máximo do exército.
6- MUDANÇAS DEVIDAS AO TABU
Muitas vezes, uma palavra deixa de ser usada devido a ter-se tornado um tabu, uma palavra proibida, seja por medo, por delicadeza ou por decência. Nesses casos, outra palavra, geralmente um eufemismo, vem substituir a palavra que não pode ser dita, fazendo com que esta nova palavra desenvolva um novo significado. Seguem alguns exemplos que ilustram bem esse processo.
20) A palavra diabo, do grego diabolon, possuía originalmente o sentido de opositor, sendo usada em decorrência do tabu de medo para evitar que fosse dito o nome do ente diabólico (da mesma forma que, hoje em dia, as igrejas cristãs fundamentalistas usam o eufemismo o Inimigo); com o tempo esse eufemismo adquire o sentido de ente diabólico.
21) As palavras vagina e ânus, oriundas das palavras latinas vagina e anulus, significavam respectivamente vagenzinha e anelzinho, eufemismos devidos ao tabu de decência; atualmente, elas se tornaram termos científicos amplamente difundidos, mas a segunda começa a ser alvo do mesmo tabu de decência, não sendo mais admissível numa conversa polida.
22) A palavra miserável, por seu caráter pejorativo muito forte, passa a ser substituída, devido ao tabu de delicadeza, pela palavra excluído, que pouco a pouco vai adquirindo o significado de miserável.
23) A palavra lepra também passa a ser substituída pela palavra hanseníase devido ao tabu de delicadeza.
7- ESPECIALIZAÇÃO DO SIGNIFICADO
Certas palavras desenvolvem um novo sentido quando são postas num contexto diferente daquele em que costumavam ser empregadas, naquilo que Ullmann chama de especialização de significado, como podemos constatar nos exemplos abaixo.
24) A palavra companhia significava simplesmente o oposto de solidão; quando utilizada no âmbito do comércio, passa a ter o significado de empresa que têm vários donos.
25) A palavra ação indicava um movimento para realizar algo; no âmbito jurídico, passa a indicar um tipo de processo, enquanto que no âmbito financeiro passa a indicar um documento de uma operação de risco.
26) A palavra foca indica um mamífero aquático; empregado no âmbito jornalístico, significa repórter inexperiente.
8- AMPLIAÇÃO DE SIGNIFICADO
Certas palavras passam de um significado original mais restrito para um significado mais geral, como podemos constatar pelos exemplos abaixo.
27) A palavra armário indicava na Idade Média um lugar específico para se guardar as armas; por um processo de ampliação de significado, ela passa a designar qualquer móvel destinado a guardar coisas.
28) A palavra paquerar designava especificamente observar pacas com intuito de caçar ; num processo de ampliação de significado, passa a indicar observar mulheres com interesse.
29) A palavra clássico indicava apenas os autores e obras que eram lidos em classe (sala de aula); por um processo de ampliação de significado passa a indicar qualquer autor ou obra aclamado ou famoso.
9- RESTRIÇÃO DE SIGNIFICADO
Num processo inverso ao descrito acima, algumas vezes palavras de significado geral passam a ter um significado mais restrito, como podemos verificar pelos exemplos abaixo.
30) A palavra ministério significava originalmente o ofício de alguém, aquilo que uma pessoa devia fazer; com o tempo, há uma restrição de significado e a palavra ministério passa a indicar somente o ofício de um sacerdote ou o lugar dos ministros.
31) A palavra paixão indicava qualquer emoção profunda, positiva ou negativa (daí a Paixão de Cristo); atualmente, houve uma restrição de significado e o termo paixão passou a indicar apenas emoção profunda positiva.
32) A palavra cachorro, proveniente do basco, indicava qualquer tipo de filhote; por um processo de restrição de significado, passa a indicar filhote de cão e o próprio cão.
10- EQUÍVOCOS DE INTERPRETAÇÃO
Uma das causas mais estranhas e fascinantes da mudança de significado é aquela que ocorre devido a um equívoco na interpretação da palavra. Como neste tipo de situação cada caso é um caso, vejamos alguns bem interessantes.
33) A palavra missa não tinha nada a ver com a cerimônia religiosa, constituindo o particípio passado do verbo mittere (terminar). Como a missa era sempre celebrada em latim e sempre terminava com a fala “Ite missa est” (Esta (cerimônia) está terminada), o povo entendeu erroneamente que a palavra missa era o nome da cerimônia, significado que se mantém até hoje.
34) A palavra acusativo para designar o objeto direto deriva de um erro de leitura da palavra causativo que perdura até hoje.
35) A palavra floresta tinha o significado original de área do lado de fora da cidade e era escrita foresta (conferir o inglês forest e o francês forêt); como a parte de fora da cidade normalmente era arborizada, o povo entendeu que ela era derivada de flora e significava mata, daí sua forma e significado atuais.
11- PALAVRAS QUE CONTAM HISTÓRIAS
Certas palavras têm uma história tão interessante que vale a pena contá-las; elas são parte da própria história e nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos e o mundo do qual viemos. Deleitemo-nos, pois, com essas palavras que contam histórias.
36) A palavra escravo serve para que tenhamos uma visão mais ampla do problema da escravidão, muitas vezes situada apenas em termos da escravidão negra. Faz-se necessário entender que a escravidão era uma prática plenamente aceita, assim como a guerra e o saque, em tempos bem mais cruéis que os atuais. A escravidão primordial, que se estendeu por toda a Antigüidade, era basicamente uma escravidão de homens brancos, o que é cabalmente demonstrado pelo fato de a palavra escravo ser oriunda de sclavu(m), que por sua vez provém de slavu(m), que significava eslavo, um povo que vivia nas fronteiras do Império Romano e era freqüentemente capturado para servir de escravo, daí a evolução do significado da palavra para o significado que permanece até hoje.
37) A palavra rastaquera, do francês rastra coeur, indicava originalmente o novo rico, o afetado, que arrastava o coração (rastra coeur) pela Europa e desprezava as coisas e costumes do Brasil; o fato de ela ter evoluído para indicar indivíduo sem valor, sem qualidade, mostra bem o estofo de que eram feitos esses “emergentes” de outrora.
38) A palavra amor tinha originalmente um sentido passivo, indicando a qualidade de ser amado; será a influência germânica, com sua sociedade que valorizava bem mais as mulheres do que a sociedade romana, que transformará o sentido da palavra amor em ativo, indicando o sentimento de amar.
Afrânio Garcia (UERJ)
1- INTRODUÇÃO
Muitos filólogos e estudiosos da história da língua esquecem-se, durante o transcurso de suas pesquisas, de que assim como as palavras mudam sua forma e sua sintaxe através dos tempos, também seu significado vai se modificando com o passar dos anos, em decorrência de uma série de fatores sociais e culturais.
Na minha pesquisa atual, intitulada “Relativismo lingüístico: relações entre semântica, cultura e sociedade”, tenho me dedicado ao estudo das diferenças de significação das palavras da língua portuguesa atual não só em relação à sua significação em outros estágios da nossa língua, como também em relação à significação de palavras sinônimas em outras línguas, tentando descobrir as diferentes nuances de significação que estas palavras possuem em outros estágios da língua ou em outras línguas, através da comparação de seus contextos sintático-semânticos e, quando necessário, pragmáticos.
Na tentativa de determinar os motivos que levam a essas diferentes acepções de uma mesma palavra através dos tempos, ou de palavras sinônimas em línguas estrangeiras, costumo encontrar fatores sociais, culturais, antropológicos e históricos interessantíssimos, que muito engrandeceriam a pesquisa filológica, se os ilustres pesquisadores normalmente não esquecessem do “detalhe semântico” nas suas pesquisas.
Este trabalho tem por finalidade rememorar, ou até apresentar, conforme for o caso, as principais mudanças semânticas, suas características mais marcantes e seus fatores determinantes, com profusão de exemplos explanatórios, chegando mesmo a discorrer sobre a história desta ou daquela palavra, cuja história confunda-se com a própria história da humanidade, com o objetivo precípuo de despertar a atenção dos senhores pesquisadores e filólogos para a importância e dimensão que a semântica histórica tem no estudo dos textos da língua portuguesa e da própria língua.
O suporte teórico para este trabalho é, quase que exclusivamente, o excelente livro “Semântica: uma introdução à ciência do significado” de Stephen Ullmann, até hoje a melhor obra a tratar de semântica histórica e mudança semântica.
2- POLISSEMIA
A principal causa da mudança semântica, ou seja, da mudança de significado de uma palavra através dos tempos, é a polissemia, que consiste no fato de uma determinada palavra ou expressão adquirir um novo sentido além de seu sentido original (do grego polissemia = muitas significações). A seguir, veremos alguns exemplos que ilustram como esse processo que leva à mudança semântica é extremamente produtivo e diversificado.
1) A palavra gato, do latim catu(m), servia para indicar originalmente um tipo de felino de pequenas dimensões; como este felino tem o hábito de andar silenciosa e furtivamente, a palavra gato adquiriu, por um processo metonímico de associação entre o modo de andar de um ladrão e de um gato, o sentido de ladrão, gatuno; mais modernamente, um outro tipo de associação metonímica, entre a beleza de um gato e de seus movimentos e a beleza de um jovem, gerou para a palavra gato um novo significado, de homem belo, com seu feminino gata; por último, a idéia de gato como ladrão associada ao fato de que o felino gato gosta de escalar postes e fios levou ao surgimento de mais um novo sentido para essa palavra: instrumento para roubar luz dos fios ou postes.
2) A palavra fazenda, do latim vulgar fac(i)enda, significava originalmente as coisas que devem ser feitas; ainda no português arcaico passou a designar não mais as coisas a serem feitas, mas as coisas já feitas por alguém ou em algum lugar; desse segundo sentido, desenvolvem-se dois outros sentidos, de conjunto de bens ou haveres, sentido em que aparece em Vieira, visto que quando alguém faz algo, esse alguém provavelmente passa a possuir o que fez ou o produto da venda daquilo que fez, ou de mercadorias ou produtos de uma determinada pessoa, povo ou região, sentido em que aparece constantemente no século XVIII; dessas duas acepções da palavra fazenda, desenvolve-se uma quarta, de recursos financeiros do poder público, até hoje presente em determinadas expressões, como Ministério da Fazenda, Secretaria da Fazenda; da idéia de fazenda como mercadoria ou produto desenvolvem-se dois outros significados: grande propriedade rural, onde são gerados vários produtos agrícolas, e pano ou. tecido, visto que com a chegada da Revolução Industrial o primeiro produto, a principal mercadoria a ser produzida em larga escala foi o tecido (vale a pena mencionar aqui o uso do termo fabric do inglês com o mesmo significado).
3) A palavra olho, do latim oculu(m), indicava originalmente o órgão da visão; com o passar dos tempos, através de inúmeras associações metonímicas e metafóricas, passou a indicar também várias coisas que tivessem a idéia de círculo, de orifício ou de centro, tais como olho da batata (calombos circulares da batata), olho da letra (espaço circular em letras como b ou p), olho do furacão (o centro do vórtice de um furacão), olho d’água (um buraco, geralmente circular, que se enche de água), olho do queijo (buracos que se formam na fermentação de determinados queijos), botar no olho da rua (idéia de centro da rua), etc.
4) A palavra estilo, do latim stilu(m), designava originalmente uma pequena haste usada para escrever, um tipo de caneta antigo; em associação com essa idéia de escrita, desenvolve-se um novo sentido para estilo, que passa a indicar a maneira específica de escrever ou falar de uma pessoa ou de um grupo de pessoas: estilo conciso, estilo afetado, estilo didático, etc.; a partir desse segundo sentido, desenvolve-se a idéia de estilo como precisão ou perícia no escrever: ele escreve com estilo; também a partir do sentido de maneira de escrever, desenvolve-se um quarto sentido, mais nitidamente literário, de características específicas de um autor ou grupo de autores, como quando falamos do estilo de Machado de Assis ou dos estilos de época; como há até bem pouco tempo o ato de escrever era um apanágio da classe dominante, sendo a maioria do povo analfabeta, a palavra estilo adquire um novo sentido, de refinamento, de bom gosto, como em móveis de estilo, um homem de estilo; por último, o sentido original da palavra estilo, de pequena haste, é recuperado na palavra estilete, indicando punhal fino, pequena haste de grafite, etc.
Repare-se que, em certos casos, os novos significados passaram a existir, mas a palavra conservou seu significado original, como em gato e olho, enquanto que, em outros casos, o significado original da palavra deixa de existir ou de ser usado, como em fazenda e estilo.Se adotarmos uma postura restritiva, podemos dizer que, no primeiro caso temos uma variação semântica, quando dois ou mais significados concorrem numa mesma palavra, e que só no segundo caso temos realmente uma mudança semântica, quando o significado original da palavra deixa de existir (ou de ser usado) e ela passa a ter somente o(s) novo(s) significado(s). Mas essa divisão entre variação semântica e mudança semântica é um mero detalhe, já que em ambos os casos a palavra desenvolve um novo significado.
Mais importante do que ficarmos divagando sobre a diferença entre variação semântica e mudança semântica, no entanto, é identificarmos os processos que levam a essa variação ou mudança semântica, como veremos a seguir.
3- METONÍMIA E METÁFORA
Os processos mais comuns que levam à mudança no significado de uma palavra são as metonímias e as metáforas. Invertemos propositalmente a ordem em que esses termos são apresentados nos compêndios de semântica porque a metonímia é muito mais comum como processo propiciador da mudança de significado do que a metáfora. Isto porque, de acordo com a definição tradicional, a metáfora é um processo que envolve uma similaridade de significados, ao passo que a metonímia é um processo que envolve uma contigüidade de significados. Ora, para termos uma similaridade entre dois significados temos que ter uma relação mais ou menos rígida, em que um significado se assemelhe de uma forma razoavelmente nítida ao outro; já para termos uma relação de contigüidade entre dois significados basta que o feixe de fatores constituintes de um dos significados tenha algo a ver com o feixe de fatores constituintes do outro significado, ou seja, que os dois significados tenham algum ponto em comum. Esse ponto em comum pode assumir inúmeras formas, abranger vários tipos de relação, como parte-todo, continente-conteúdo, lugar-coisa, coisa-característica, causa-efeito, formas, objetivos ou funções comuns, e tantas outras aproximações que nossas mentes fazem constantemente entre um significado e outro na tentativa de melhor agrupar e apreender a enorme realidade, como disse Drummond.
Também não separamos a metáfora da metonímia porque, embora em algumas ocasiões a distinção entre metáfora e metonímia seja fácil e nítida, outras há em que mesmo um professor tarimbado e competente fica em dúvida sobre como classificar a associação que se estabelece entre dois significados. Por exemplo, quando Drummond fala “peixes circulando sob o navio que leva essa mensagem” em que o navio remete, nitidamente, para o poema, temos uma metonímia, em que o autor aproxima a função do navio (ir de um porto a outro) da função do poema (ir de uma alma a outra), ou temos uma metáfora, em que o poema é semelhante a um navio, indo de um lugar ao outro no mar da vida. Dificílimo optar por esta ou aquela interpretação.
A metonímia é bem mais produtiva do que a metáfora como processo modificador do significado das palavras. Uma das suas ocorrências mais freqüentes é na criação de nomes para novos objetos, conceitos ou ramos do conhecimento, e é interessante notar que muitas vezes, embora estas novas denominações sejam extremamente transparentes, raros são aqueles que percebem sua origem como veremos nos exemplos abaixo.
5) A palavra avião, do francês avion, significava ave grande; quando foi inventado um aparelho com asas que voava, nada mais normal do que chamá-lo de avião.
6) A palavra tela indicava um tipo de tecido; quando o cinema foi inventado, ele era projetado num retângulo deste tecido montado sobre uma base, que passou a ser chamado, muito simplesmente, de tela; com a chegada da televisão e outras formas de vídeo, o termo tela generalizou-se para designar a porção plana do aparelho onde se projetam as imagens.
7) A palavra caneta foi inicialmente usada para indicar um pequeno tubo, uma pequena cana, à qual se ajustava uma ponta para escrever; o uso do termo caneta se generalizou, mas praticamente ninguém, a não ser um pesquisador de semântica ou história da língua, o associa a uma pequena cana.
8) A palavra músculo designava um pequeno rato, sendo o diminutivo do latim mus (que deu origem ao mouse do inglês); como os médicos da Idade Média, ao olharem para o músculo exposto de um paciente, o acharam parecido com um filhote de rato, sem pêlo, deram-lhe o nome de musculu(m), que se mantém em várias línguas até os dias de hoje.
Já as metáforas são bem menos produtivas, talvez por serem mais profundas e poéticas, na evolução de novos significados das palavras. Também nesse caso, a maioria dos falantes muitas vezes não faz idéia da origem da palavra, embora seja bastante óbvio, como veremos nos exemplos seguintes.
9) A palavra ferina tinha o sentido de próprio de fera, feroz; hoje em dia é muito comum se ouvir falar em linguagem ferina, crítica ferina, etc., mas a maioria dos falantes do português a entende como maldosa ou cruel, sem associa-la a fera.
10) A palavra terno provém do latim teneru(m), que também deu tenro, significando originalmente tenro, mole; da imagem metafórica de uma pessoa mole, que se deixa paralisar pelos sentimentos, sem vitalidade, surgiu o significado atual de terno, como afetuoso, brando.
11) A palavra porco indicava originalmente uma espécie de animal e passou a indicar, por um processo metafórico, as pessoas que são sujas como um porco.
4- MUDANÇAS PEJORATIVAS
Muitas mudanças de significados são pejorativas, ou seja, palavras de sentido positivo ou neutro adquirem um matiz pejorativo. Essas palavras são importantes por retratarem os hábitos, os pensamentos e os preconceitos de uma determinada época, como veremos nos exemplos que se seguem.
12) A palavra vilão tinha o significado original de habitante de uma vila; devido ao preconceito que as pessoas da época tinham contra os pobres, que moravam nas vilas, a palavra vilão foi desenvolvendo, pouco a pouco, o sentido de grosseirão, malvado.
13) A palavra rapariga tinha (e, em Portugal, ainda tem) o sentido de moça, mulher jovem; como muitos homens abastados de outrora tinham raparigas como concubinas, o português do Brasil passa a diferenciar moça (necessariamente virgem) de rapariga (que podia ou não ser virgem), ficando o termo rapariga, principalmente no Nordeste, quase como sinônimo de prostituta.
14) A palavra criado tinha o sentido de uma pessoa, órfã ou filha de pobres, que era criada como filho por uma família; como a hipocrisia e a crueldade que sempre caracterizaram a sociedade brasileira transformava esse “filho adotivo” num empregado doméstico sem salário, a palavra criado adquire o sentido de serviçal doméstico.
Às vezes, as mudanças pejorativas têm por origem um eufemismo (palavra usada em lugar de outra, para atenuar seu sentido negativo ou ofensivo), que perde sua razão de ser, como é o caso dos exemplos seguintes.
15) A palavra cretino, usada hoje em dia para indicar uma pessoa de pouca inteligência ou estúpida, provém de uma palavra francesa que significava cristão; como era costume usar-se o eufemismo pobre cristão ou cristão para designar os loucos, a palavra adquiriu aos poucos o sentido de louco e finalmente seu sentido atual.
16) A palavra idiota significava simplesmente diferente; como era usada para indicar os deficientes, principalmente os deficientes mentais (à maneira da palavra especial hoje em dia), aos poucos adquiriu esse sentido, de deficiente mental, de estúpido.
5- MUDANÇAS AMELIORATIVAS
Um outro tipo de mudança de significado é aquela que Ullmann chama de ameliorativa, em que uma palavra de sentido negativo (ou neutro) adquire um sentido positivo. Normalmente, tratam-se de termos grosseiros ou jocosos que são atenuados com o passar dos anos, como podemos constatar abaixo.
17) A palavra perna indicava originalmente perna de animal (equivalente aos termos atuais pernil ou pata); devido ao seu constante uso em relação às pernas do seres humanos, ela adquire o sentido de perna humana ou animal, que mantém até hoje.
18) A palavra barriga era pejorativa, significando inicialmente barrica (pequeno barril); com o tempo ela passa a indicar o ventre, seja magro ou gordo.
19) A palavra marechal indicava tão somente o criado das cavalariças; com o tempo, ela vai ganhando importância, até significar o posto máximo do exército.
6- MUDANÇAS DEVIDAS AO TABU
Muitas vezes, uma palavra deixa de ser usada devido a ter-se tornado um tabu, uma palavra proibida, seja por medo, por delicadeza ou por decência. Nesses casos, outra palavra, geralmente um eufemismo, vem substituir a palavra que não pode ser dita, fazendo com que esta nova palavra desenvolva um novo significado. Seguem alguns exemplos que ilustram bem esse processo.
20) A palavra diabo, do grego diabolon, possuía originalmente o sentido de opositor, sendo usada em decorrência do tabu de medo para evitar que fosse dito o nome do ente diabólico (da mesma forma que, hoje em dia, as igrejas cristãs fundamentalistas usam o eufemismo o Inimigo); com o tempo esse eufemismo adquire o sentido de ente diabólico.
21) As palavras vagina e ânus, oriundas das palavras latinas vagina e anulus, significavam respectivamente vagenzinha e anelzinho, eufemismos devidos ao tabu de decência; atualmente, elas se tornaram termos científicos amplamente difundidos, mas a segunda começa a ser alvo do mesmo tabu de decência, não sendo mais admissível numa conversa polida.
22) A palavra miserável, por seu caráter pejorativo muito forte, passa a ser substituída, devido ao tabu de delicadeza, pela palavra excluído, que pouco a pouco vai adquirindo o significado de miserável.
23) A palavra lepra também passa a ser substituída pela palavra hanseníase devido ao tabu de delicadeza.
7- ESPECIALIZAÇÃO DO SIGNIFICADO
Certas palavras desenvolvem um novo sentido quando são postas num contexto diferente daquele em que costumavam ser empregadas, naquilo que Ullmann chama de especialização de significado, como podemos constatar nos exemplos abaixo.
24) A palavra companhia significava simplesmente o oposto de solidão; quando utilizada no âmbito do comércio, passa a ter o significado de empresa que têm vários donos.
25) A palavra ação indicava um movimento para realizar algo; no âmbito jurídico, passa a indicar um tipo de processo, enquanto que no âmbito financeiro passa a indicar um documento de uma operação de risco.
26) A palavra foca indica um mamífero aquático; empregado no âmbito jornalístico, significa repórter inexperiente.
8- AMPLIAÇÃO DE SIGNIFICADO
Certas palavras passam de um significado original mais restrito para um significado mais geral, como podemos constatar pelos exemplos abaixo.
27) A palavra armário indicava na Idade Média um lugar específico para se guardar as armas; por um processo de ampliação de significado, ela passa a designar qualquer móvel destinado a guardar coisas.
28) A palavra paquerar designava especificamente observar pacas com intuito de caçar ; num processo de ampliação de significado, passa a indicar observar mulheres com interesse.
29) A palavra clássico indicava apenas os autores e obras que eram lidos em classe (sala de aula); por um processo de ampliação de significado passa a indicar qualquer autor ou obra aclamado ou famoso.
9- RESTRIÇÃO DE SIGNIFICADO
Num processo inverso ao descrito acima, algumas vezes palavras de significado geral passam a ter um significado mais restrito, como podemos verificar pelos exemplos abaixo.
30) A palavra ministério significava originalmente o ofício de alguém, aquilo que uma pessoa devia fazer; com o tempo, há uma restrição de significado e a palavra ministério passa a indicar somente o ofício de um sacerdote ou o lugar dos ministros.
31) A palavra paixão indicava qualquer emoção profunda, positiva ou negativa (daí a Paixão de Cristo); atualmente, houve uma restrição de significado e o termo paixão passou a indicar apenas emoção profunda positiva.
32) A palavra cachorro, proveniente do basco, indicava qualquer tipo de filhote; por um processo de restrição de significado, passa a indicar filhote de cão e o próprio cão.
10- EQUÍVOCOS DE INTERPRETAÇÃO
Uma das causas mais estranhas e fascinantes da mudança de significado é aquela que ocorre devido a um equívoco na interpretação da palavra. Como neste tipo de situação cada caso é um caso, vejamos alguns bem interessantes.
33) A palavra missa não tinha nada a ver com a cerimônia religiosa, constituindo o particípio passado do verbo mittere (terminar). Como a missa era sempre celebrada em latim e sempre terminava com a fala “Ite missa est” (Esta (cerimônia) está terminada), o povo entendeu erroneamente que a palavra missa era o nome da cerimônia, significado que se mantém até hoje.
34) A palavra acusativo para designar o objeto direto deriva de um erro de leitura da palavra causativo que perdura até hoje.
35) A palavra floresta tinha o significado original de área do lado de fora da cidade e era escrita foresta (conferir o inglês forest e o francês forêt); como a parte de fora da cidade normalmente era arborizada, o povo entendeu que ela era derivada de flora e significava mata, daí sua forma e significado atuais.
11- PALAVRAS QUE CONTAM HISTÓRIAS
Certas palavras têm uma história tão interessante que vale a pena contá-las; elas são parte da própria história e nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos e o mundo do qual viemos. Deleitemo-nos, pois, com essas palavras que contam histórias.
36) A palavra escravo serve para que tenhamos uma visão mais ampla do problema da escravidão, muitas vezes situada apenas em termos da escravidão negra. Faz-se necessário entender que a escravidão era uma prática plenamente aceita, assim como a guerra e o saque, em tempos bem mais cruéis que os atuais. A escravidão primordial, que se estendeu por toda a Antigüidade, era basicamente uma escravidão de homens brancos, o que é cabalmente demonstrado pelo fato de a palavra escravo ser oriunda de sclavu(m), que por sua vez provém de slavu(m), que significava eslavo, um povo que vivia nas fronteiras do Império Romano e era freqüentemente capturado para servir de escravo, daí a evolução do significado da palavra para o significado que permanece até hoje.
37) A palavra rastaquera, do francês rastra coeur, indicava originalmente o novo rico, o afetado, que arrastava o coração (rastra coeur) pela Europa e desprezava as coisas e costumes do Brasil; o fato de ela ter evoluído para indicar indivíduo sem valor, sem qualidade, mostra bem o estofo de que eram feitos esses “emergentes” de outrora.
38) A palavra amor tinha originalmente um sentido passivo, indicando a qualidade de ser amado; será a influência germânica, com sua sociedade que valorizava bem mais as mulheres do que a sociedade romana, que transformará o sentido da palavra amor em ativo, indicando o sentimento de amar.
quinta-feira, 27 de março de 2008
Estudos com textos
WORD HISTORIES
Conhecer uma palavra desde sua origem é como conhecer uma pessoa desde pequena.
Ricardo Schütz
Atualizado em 11 de junho de 2007
A palavra etimologia, etymology em inglês, vem do grego étumos (real, verdadeiro) + logos (estudo, descrição, relato) e significa hoje o estudo científico da origem e da história de palavras. Conhecer a evolução do significado de uma palavra desde sua origem significa descobrir seu verdadeiro sentido e conhecê-la de forma mais completa. O estudo etimológico de palavras, além do aspecto curioso, demonstra as origens comuns e as semelhanças encontradas no plano de vocabulário entre as línguas européias, como é o caso do inglês e do português.
barbaric - ou 'bárbaro' vem do grego barbaros, uma palavra onomatopéica para referir-se aos estrangeiros cujas línguas os gregos não entendiam e interpretavam como bar bar bar (semelhante a 'blá blá blá' em português). Revela o preconceito lingüístico dos antigos gregos, os quais, apesar da grande contribuição deixada para a humanidade nas artes e nas ciências, negligenciaram totalmente o estudo de línguas e culturas diferentes da sua. Posteriormente, a palavra passou a ser usada com a conotação de 'rude, incivilizado', e é com esse significado que acabou sendo transmitida para as línguas modernas.
bible - a origem da palavra bible (bíblia) é remota. A forma mais antiga de livro de que se tem notícia era um rolo de papiro, planta abundante às margens do rio Nilo, usada pelos antigos egípcios, gregos e romanos para escrever. A palavra grega para papiro era biblos, derivada do nome do porto fenício de Byblos, hoje Jubayl, Líbano, através do qual o papiro era exportado. O plural de biblos em grego era ta biblía, que significava literalmente 'os livros', e que acabou entrando para o latim eclesiástico para designar o conjunto de livros sagrados que compõem a bíblia.
calculate - a origem das palavras calculate e calculation (calcular, cálculo) é o latim. Calculus em latim tinha o significado de pedra, pedrinha, daquelas que, em dado momento, na antigüidade, passaram a ser usadas para contar e calcular preços e posteriormente para ensinar crianças a contar. Calculus deu origem também à palavra 'cálculo' (como em cálculo renal), calculus em inglês.
Canada - a provável origem do nome deste país é a palavra kanata (povoado) da língua indígena iroquês. O povo iroquês, do qual faziam parte também os cherokees, habitavam grandes áreas do continente norte-americano. A palavra foi trazida para o vocabulário das línguas ocidentais pelo explorador Jacques Cartier em 1535 para referir-se à região nordeste da América do Norte. Dizem que Jacques Cartier certa vez perguntou a um nativo iroquês o nome da terra onde se encontrava. Este, sem entender a pergunta, imaginou que o explorador branco estivesse se referindo ao povoado do local e respondeu: - kanata (povoado).
crucial - a origem desta palavra, que tem o mesmo significado e a mesma ortografia em inglês e português, é a palavra crux (crucis no genitivo) do latim. O uso desta palavra com o sentido de decisivo, crítico, é uma metáfora criada pelo escritor e filósofo inglês Francis Bacon em 1620. A metáfora refere-se não à cruz, símbolo do cristianismo, mas ao cruzamento, à encruzilhada formada por duas estradas que se cruzam e onde viajantes, não familiarizados com o caminho, teriam que tomar uma decisão "crucial", que afetaria drasticamente seu destino.
delete - é interessante de se observar como uma palavra, às vezes, migra ao longo dos séculos, de um idioma para outro, por caminhos tortuosos. O verbo delete vem do latim delere (apagar) e passou do francês para o inglês no século 15. No português, acabou derivando no adjetivo indelével (que não dá para apagar), e, finalmente agora, no virar do milênio, a palavra, na forma de verbo e com seu sentido original (deletar), reaparece no português proveniente do inglês.
education - 'educar' vem do latim educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ex (fora) + ducere (conduzir, levar), e significa literalmente 'conduzir para fora', ou seja, preparar o indivíduo para o mundo.
É interessante observar que o termo 'educação' em português possui uma conotação não encontrada na palavra education do inglês. Enquanto que em português a palavra pode ser associada ao sentido de boas maneiras, principalmente no adjetivo 'educado', em inglês educated refere-se unicamente ao grau de instrução formal.
Friday - Friday, sexta-feira em inglês, vem do alemão antigo Fria (deusa do amor) + daeg (dia) do inglês antigo. Na verdade, trata-se de uma adaptação do latim dies veneris (dia de Vênus). Fria ou Frigg era a deusa nórdica do amor, correspondente a Vênus da mitologia romana, deusa da formosura, do amor e dos prazeres. Coincidência ou não, parece que já na antigüidade a sexta-feira era dia do agito. É ainda curioso observar-se que, com exceção do português, a maioria das línguas ocidentais usam nomes de deuses da mitologia romana para os dias da semana. Também os planetas do sistema solar carregam nomes de deuses romanos.
gazette - gazette (mesma ortografia em inglês e francês) ou 'gazeta' em português, vem do italiano gazzetta, que era o nome de uma pequena unidade monetária do século 16. Uma gazzetta era o preço que se cobrava em Veneza do transeunte que quisesse dar uma lida no jornal sem comprá-lo.
grammar - o mesmo que 'gramática' do português, está presente no inglês desde o século 14. A palavra vem do grego, tendo passado pelo latim, daí para o francês e do francês para o inglês. Grammata em grego significava letras (do alfabeto). Para uma época em que a maioria era analfabeta e a misteriosa arte de escrever era uma área de conhecimento exclusiva dos poucos escolarizados, a palavra assumiu um sentido de coisa incompreensível, até mesmo relacionada à magia negra.
husband - husband (marido) está ligado a house, pois vem do antigo nórdico (da Escandinávia) húsbóndi, composto de hús (house - casa) + bóandi (habitante, morador); ou seja, aquele que existe ou que habita uma casa, também provavelmente relacionado a bind (unir, juntar), significando aquele que com sua presença e trabalho, consolida a união da família. Conseqüentemente esta palavra está também ligada à idéia de agricultura, pois na idade média trabalho consistia predominantemente em plantar e criar animais e a distinção entre 'morador de um lugar' e 'agricultor' não era muito clara. Isto pode ser observado na palavra husbandry (agricultura).
Indian - a palavra indian, ou 'índio', na Europa da Idade Média, aplicava-se não apenas aos habitantes da região hoje conhecida como Índia, mas também a todas as regiões mais distantes do desconhecido Extremo Oriente.
O comércio com o Extremo Oriente era altamente lucrativo, mas a jornada por terra era longa, difícil e cara. Foi isso que acabou motivando as grandes navegações e os descobrimentos por parte de Portugal e Espanha. Quando Cristóvão Colombo alcançou as terras da América, crente que havia descoberto o caminho para as Índias navegando na direção oposta à dos Portugueses, não titubeou em chamar os nativos ali encontrados de índios.
Foi portanto fruto de um tremendo erro de geografia que a palavra 'índio' passou a designar os nativos das novas terras das Américas.
introduce - ou 'introduzir' significa literalmente 'levar para dentro', e é proveniente do latim introducere, composto de intro (dentro) + ducere (conduzir, levar). É interessante observar que os sentidos predominantes da palavra introduce em inglês são os de 'usar pela primeira vez', e 'apresentar ou ser apresentado a alguém', ou seja, ser levado a conhecer por dentro algo ou alguém. O verbo ducere do latim também deu origem às palavras duct (duto), duke (duque), educate (educar), produce (produzir), etc.
Monday - o sentido etimológico de Monday (segunda-feira) é o de 'dia da lua' (moon day), adaptado do latim lunae dies que acabou dando origem também a lunes em espanhol, e Montag em alemão.
OK - considerado por muitos como o mais bem sucedido de todos os americanismos usados hoje no mundo, OK é também uma das palavras que suscitam mais dúvidas e mistérios quanto a sua origem. A teoria mais aceita hoje diz que as iniciais OK representam oll korrect, forma ortográfica jocosa de all correct (tudo certo) usada no início do século 19. OK aumentou em popularidade durante a campanha presidencial de 1840, ao ser usado como slogan do então candidato Martin Van Buren cujo apelido era Old Kinderhook.
plumber - o símbolo da química para o elemento chumbo é Pb, do latim plumbum (chumbo). Uma vez que o encanamento hidráulico para distribuição de água nas edificações era feito de chumbo desde os tempos de Roma até há poucos anos atrás, antes do advento dos canos de PVC, não é de estranhar que em inglês, desde o século 14, a pessoa que instala e conserta encanamentos chame-se plumber (encanador), literalmente, chumbador, aquele que lida com chumbo.
sabotage - ou 'sabotagem' vem do francês sabot, que significa 'tamanco'. A palavra surgiu a partir da revolução industrial e aparentemente se originou do ato de trabalhadores grevistas e descontentes que intencionalmente jogavam seus tamancos nas máquinas para causar danos e paralisações. É possível que o termo esteja associado também ao ato desleixado de caminhar ruidosamente, arrastando os tamancos.
salary - ou 'salário' vem do latim salarium, significando 'do sal'. Isso se explica porque os soldados do Império Romano recebiam uma quantia periódica para compra de sal, uma mercadoria de grande importância e alto valor na época. Além de servir para melhorar o sabor dos alimentos, servia para melhor conservá-los, numa época em que não havia refrigeração.
sandwich - a origem da palavra sandwich (sanduíche) está na Inglaterra do século 18. Sandwich é o nome de um distrito na municipalidade de Kent. John Montagu, the Earl of Sandwich (Conde de Sandwich), era de tal maneira viciado no jogo de cartas, que para não ter que interromper o jogo durante as refeições, ele pedia que lhe servissem fatias de carne entre duas fatias de pão torrado. Daí surgiu o sanduíche.
sarcasm - sarcasmo vem do grego sarx (carne) e do verbo daí derivado sarkázein (arrancar carne). Um comentário sarcástico portanto, é aquele que "arranca carne", isto é, que fere.
sarchofagus - a palavra 'sarcófago' vem do grego sarkophágos, sarx (carne) + phágos (comer), significando literalmente 'comedor de carne'. Este termo era usado no mundo antigo como denominação de um determinado tipo de pedra calcárea usada para fabricação de urnas funerárias que tinha a propriedade de causar uma rápida decomposição.
school - a palavra school, obviamente ligada à palavra 'escola' do português, tem sua origem mais próxima no latim clássico schola, que por sua vez originou-se do grego skhole, que significava 'lazer'. Se para os gregos que viveram um século antes de Cristo, busca de conhecimento era lazer, parece uma ironia do destino que muitas escolas hoje representam um verdadeiro tormento a seus jovens freqüentadores.
soap opera - soap opera (telenovela) é composto da palavra soap (sabão, sabonete) + opera (ópera) e sua origem não é tão antiga. O rádioteatro a partir dos anos 30 e a televisão a partir dos anos 50 nos EUA, popularizaram os dramas melodramáticos retratando situações domésticas cotidianas. Aqueles programas da televisão americana eram (como o são ainda hoje) predominantemente no horário após o almoço, e eram dirigidos principalmente ao público feminino.
É preciso entender que na época a indústria de cosméticos não dispunha da mesma variedade de produtos supostamente proporcionadores de beleza tais como xampus, condicionadores, reparador de pontas, rinse, pomadas, cremes e líquidos hidratantes, esfoliantes, antioxidantes, anti-rugas, revitalizadores, rejuvenescedores, etc. Os produtos que na época exploravam a idéia de proporcionar beleza, tanto à pele como aos cabelos, eram simplesmente os sabonetes.
É preciso também entender que uma grande porcentagem da população feminina na época não possuía carreira profissional nem emprego, e encontrava-se normalmente em casa neste horário após o meio-dia. Se aceitarmos o fato de que grande parte do público feminino é atraído por melodramas, e de que este mesmo público tem preocupação com a beleza estética e é facilmente influenciado pela idéia de adquiri-la, facilmente entenderemos porque os melodramas em TV eram freqüentemente patrocinados por marcas de sabonete, dando origem ao termo soap opera.
Finalmente, se considerarmos que óperas foram no século passado e no início deste uma das mais altas manifestações artistico-culturais da humanidade, facilmente compreenderemos o tom irônico da palavra opera na expressão soap opera para as telenovelas de hoje.
superficial - esta palavra, de ortografia idêntica em inglês e português, vem do latim superficialis, um derivado de superficies (surface em inglês e 'superfície' em português). Superficialis, por sua vez, é composto do prefixo super (sobre) e facies (face); ou seja: a face de cima. O sentido predominante atual, de ser aquilo ou aquele que se preocupa apenas com a aparência externa, surgiu só no século 16.
superman - o criador desta palavra não foi nenhum norte-americano: foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche que cunhou a palavra übermensch para referir-se ao ser humano superior, evoluído intelectualmente, emocionalmente e espiritualmente, que transcende o bem e o mal - certamente nada a ver com o personagem das revistas em quadrinhos e dos filmes de hoje, corruptela comercial, barata e moderna do verdadeiro super-homem visionado pelo grande filósofo. Foi só em 1903 que o teatrólogo britânico George Bernard Shaw usou pela primeira vez a versão inglesa da palavra.
text - ou 'texto' vem do latim texere (construir, tecer), cujo particípio passado textus também era usado como substantivo, e significava 'maneira de tecer', ou 'coisa tecida', e ainda mais tarde, 'estrutura'. Foi só lá pelo século 14 que a evolução semântica da palavra atingiu o sentido de "tecelagem ou estruturação de palavras", ou 'composição literária', e passou a ser usado em inglês, proveniente do francês antigo texte.
toilet - a palavra toilet (vaso sanitário) está ligada a 'toalha', a 'têxtil', e também a 'texto' do português. A origem é novamente o latim texere (tecer), que por sua vez originou toile (pano, toalha) e toilette (pequena toalha) em francês. O significado de toilette evoluiu para o ato de lavar-se, vestir-se e arrumar-se: fazer a toalete. Foi só na metade do século 19 que nos EUA a palavra passou a ser usada como sinônimo de lavatory (pia ou vaso sanitário).
trivial - os educadores medievais reconheciam 7 artes liberais divididas em 2 grupos: as 3 elementares, denominadas em latim como o trivium de tri (três) + via (caminho) e as outras 4, mais elevadas, denominadas de quadrivium (4 caminhos). As artes do trivium eram a Gramática, a Lógica e a Retórica. As artes do quadrivium eram: Aritmética, Música, Geometria e Astronomia.
Em paralelo, o adjetivo trivialis do latim, além de referir-se às 3 artes do trivium, tinha também o significado de comum, ordinário. Ou seja, a qualidade pertinente a um ponto de encontro, a uma junção de três vias ou caminhos. Isto presumivelmente porque em tais locais públicos, por onde todo mundo passa, as pessoas eventualmente paravam para uma conversa inconseqüente, para botar a fofoca em dia.
Seja pela noção de que as artes do trivium talvez fossem menos importantes, ou porque nas esquinas e nos pontos de encontro de estradas as pessoas acabam parando para conversar sobre acontecimentos cotidianos, assuntos de pouca importância, o fato é que a partir de fins do século 15, a palavra trivial (de ortografia idêntica em português) passava a ser usada em ingês, assim como também em português, com o sentido de comum ou ordinário.
venereal - Vênus, a deusa romana da formosura e do amor é a origem da palavra venereal (venéreo). Foi através do adjetivo latino venereus, referente ao prazer ou ao intercurso sexual, que o inglês adotou venereal no século 15. Também venerate (venerar, adorar) do inglês, viernes (sexta-feira) do espanhol, vendredi (sexta-feira) do francês, camisa-de-vênus, a popular camisinha do português, e o nome do mais brilhante dos planetas têm origem no nome da deusa romana do amor.
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SOURCES
Ayto, John. Dictionary of Word Origins. New York: Arcade Publishing, 1993
Barnhart, Robert K. Chanbers Dictionary of Etymology. New York: Chambers, 2001
Houaiss, Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva 2001
McArthur, Tom. The Oxford Companion to the English Language. New York: Oxford, 1992
Merriam-Webster. Webster's Word Histories. Springfield, Massachusetts: Merriam-Webster 1989
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Agradecemos as colaborações de Vinícius Morais Simões e Patrick Brown.
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Conhecer uma palavra desde sua origem é como conhecer uma pessoa desde pequena.
Ricardo Schütz
Atualizado em 11 de junho de 2007
A palavra etimologia, etymology em inglês, vem do grego étumos (real, verdadeiro) + logos (estudo, descrição, relato) e significa hoje o estudo científico da origem e da história de palavras. Conhecer a evolução do significado de uma palavra desde sua origem significa descobrir seu verdadeiro sentido e conhecê-la de forma mais completa. O estudo etimológico de palavras, além do aspecto curioso, demonstra as origens comuns e as semelhanças encontradas no plano de vocabulário entre as línguas européias, como é o caso do inglês e do português.
barbaric - ou 'bárbaro' vem do grego barbaros, uma palavra onomatopéica para referir-se aos estrangeiros cujas línguas os gregos não entendiam e interpretavam como bar bar bar (semelhante a 'blá blá blá' em português). Revela o preconceito lingüístico dos antigos gregos, os quais, apesar da grande contribuição deixada para a humanidade nas artes e nas ciências, negligenciaram totalmente o estudo de línguas e culturas diferentes da sua. Posteriormente, a palavra passou a ser usada com a conotação de 'rude, incivilizado', e é com esse significado que acabou sendo transmitida para as línguas modernas.
bible - a origem da palavra bible (bíblia) é remota. A forma mais antiga de livro de que se tem notícia era um rolo de papiro, planta abundante às margens do rio Nilo, usada pelos antigos egípcios, gregos e romanos para escrever. A palavra grega para papiro era biblos, derivada do nome do porto fenício de Byblos, hoje Jubayl, Líbano, através do qual o papiro era exportado. O plural de biblos em grego era ta biblía, que significava literalmente 'os livros', e que acabou entrando para o latim eclesiástico para designar o conjunto de livros sagrados que compõem a bíblia.
calculate - a origem das palavras calculate e calculation (calcular, cálculo) é o latim. Calculus em latim tinha o significado de pedra, pedrinha, daquelas que, em dado momento, na antigüidade, passaram a ser usadas para contar e calcular preços e posteriormente para ensinar crianças a contar. Calculus deu origem também à palavra 'cálculo' (como em cálculo renal), calculus em inglês.
Canada - a provável origem do nome deste país é a palavra kanata (povoado) da língua indígena iroquês. O povo iroquês, do qual faziam parte também os cherokees, habitavam grandes áreas do continente norte-americano. A palavra foi trazida para o vocabulário das línguas ocidentais pelo explorador Jacques Cartier em 1535 para referir-se à região nordeste da América do Norte. Dizem que Jacques Cartier certa vez perguntou a um nativo iroquês o nome da terra onde se encontrava. Este, sem entender a pergunta, imaginou que o explorador branco estivesse se referindo ao povoado do local e respondeu: - kanata (povoado).
crucial - a origem desta palavra, que tem o mesmo significado e a mesma ortografia em inglês e português, é a palavra crux (crucis no genitivo) do latim. O uso desta palavra com o sentido de decisivo, crítico, é uma metáfora criada pelo escritor e filósofo inglês Francis Bacon em 1620. A metáfora refere-se não à cruz, símbolo do cristianismo, mas ao cruzamento, à encruzilhada formada por duas estradas que se cruzam e onde viajantes, não familiarizados com o caminho, teriam que tomar uma decisão "crucial", que afetaria drasticamente seu destino.
delete - é interessante de se observar como uma palavra, às vezes, migra ao longo dos séculos, de um idioma para outro, por caminhos tortuosos. O verbo delete vem do latim delere (apagar) e passou do francês para o inglês no século 15. No português, acabou derivando no adjetivo indelével (que não dá para apagar), e, finalmente agora, no virar do milênio, a palavra, na forma de verbo e com seu sentido original (deletar), reaparece no português proveniente do inglês.
education - 'educar' vem do latim educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ex (fora) + ducere (conduzir, levar), e significa literalmente 'conduzir para fora', ou seja, preparar o indivíduo para o mundo.
É interessante observar que o termo 'educação' em português possui uma conotação não encontrada na palavra education do inglês. Enquanto que em português a palavra pode ser associada ao sentido de boas maneiras, principalmente no adjetivo 'educado', em inglês educated refere-se unicamente ao grau de instrução formal.
Friday - Friday, sexta-feira em inglês, vem do alemão antigo Fria (deusa do amor) + daeg (dia) do inglês antigo. Na verdade, trata-se de uma adaptação do latim dies veneris (dia de Vênus). Fria ou Frigg era a deusa nórdica do amor, correspondente a Vênus da mitologia romana, deusa da formosura, do amor e dos prazeres. Coincidência ou não, parece que já na antigüidade a sexta-feira era dia do agito. É ainda curioso observar-se que, com exceção do português, a maioria das línguas ocidentais usam nomes de deuses da mitologia romana para os dias da semana. Também os planetas do sistema solar carregam nomes de deuses romanos.
gazette - gazette (mesma ortografia em inglês e francês) ou 'gazeta' em português, vem do italiano gazzetta, que era o nome de uma pequena unidade monetária do século 16. Uma gazzetta era o preço que se cobrava em Veneza do transeunte que quisesse dar uma lida no jornal sem comprá-lo.
grammar - o mesmo que 'gramática' do português, está presente no inglês desde o século 14. A palavra vem do grego, tendo passado pelo latim, daí para o francês e do francês para o inglês. Grammata em grego significava letras (do alfabeto). Para uma época em que a maioria era analfabeta e a misteriosa arte de escrever era uma área de conhecimento exclusiva dos poucos escolarizados, a palavra assumiu um sentido de coisa incompreensível, até mesmo relacionada à magia negra.
husband - husband (marido) está ligado a house, pois vem do antigo nórdico (da Escandinávia) húsbóndi, composto de hús (house - casa) + bóandi (habitante, morador); ou seja, aquele que existe ou que habita uma casa, também provavelmente relacionado a bind (unir, juntar), significando aquele que com sua presença e trabalho, consolida a união da família. Conseqüentemente esta palavra está também ligada à idéia de agricultura, pois na idade média trabalho consistia predominantemente em plantar e criar animais e a distinção entre 'morador de um lugar' e 'agricultor' não era muito clara. Isto pode ser observado na palavra husbandry (agricultura).
Indian - a palavra indian, ou 'índio', na Europa da Idade Média, aplicava-se não apenas aos habitantes da região hoje conhecida como Índia, mas também a todas as regiões mais distantes do desconhecido Extremo Oriente.
O comércio com o Extremo Oriente era altamente lucrativo, mas a jornada por terra era longa, difícil e cara. Foi isso que acabou motivando as grandes navegações e os descobrimentos por parte de Portugal e Espanha. Quando Cristóvão Colombo alcançou as terras da América, crente que havia descoberto o caminho para as Índias navegando na direção oposta à dos Portugueses, não titubeou em chamar os nativos ali encontrados de índios.
Foi portanto fruto de um tremendo erro de geografia que a palavra 'índio' passou a designar os nativos das novas terras das Américas.
introduce - ou 'introduzir' significa literalmente 'levar para dentro', e é proveniente do latim introducere, composto de intro (dentro) + ducere (conduzir, levar). É interessante observar que os sentidos predominantes da palavra introduce em inglês são os de 'usar pela primeira vez', e 'apresentar ou ser apresentado a alguém', ou seja, ser levado a conhecer por dentro algo ou alguém. O verbo ducere do latim também deu origem às palavras duct (duto), duke (duque), educate (educar), produce (produzir), etc.
Monday - o sentido etimológico de Monday (segunda-feira) é o de 'dia da lua' (moon day), adaptado do latim lunae dies que acabou dando origem também a lunes em espanhol, e Montag em alemão.
OK - considerado por muitos como o mais bem sucedido de todos os americanismos usados hoje no mundo, OK é também uma das palavras que suscitam mais dúvidas e mistérios quanto a sua origem. A teoria mais aceita hoje diz que as iniciais OK representam oll korrect, forma ortográfica jocosa de all correct (tudo certo) usada no início do século 19. OK aumentou em popularidade durante a campanha presidencial de 1840, ao ser usado como slogan do então candidato Martin Van Buren cujo apelido era Old Kinderhook.
plumber - o símbolo da química para o elemento chumbo é Pb, do latim plumbum (chumbo). Uma vez que o encanamento hidráulico para distribuição de água nas edificações era feito de chumbo desde os tempos de Roma até há poucos anos atrás, antes do advento dos canos de PVC, não é de estranhar que em inglês, desde o século 14, a pessoa que instala e conserta encanamentos chame-se plumber (encanador), literalmente, chumbador, aquele que lida com chumbo.
sabotage - ou 'sabotagem' vem do francês sabot, que significa 'tamanco'. A palavra surgiu a partir da revolução industrial e aparentemente se originou do ato de trabalhadores grevistas e descontentes que intencionalmente jogavam seus tamancos nas máquinas para causar danos e paralisações. É possível que o termo esteja associado também ao ato desleixado de caminhar ruidosamente, arrastando os tamancos.
salary - ou 'salário' vem do latim salarium, significando 'do sal'. Isso se explica porque os soldados do Império Romano recebiam uma quantia periódica para compra de sal, uma mercadoria de grande importância e alto valor na época. Além de servir para melhorar o sabor dos alimentos, servia para melhor conservá-los, numa época em que não havia refrigeração.
sandwich - a origem da palavra sandwich (sanduíche) está na Inglaterra do século 18. Sandwich é o nome de um distrito na municipalidade de Kent. John Montagu, the Earl of Sandwich (Conde de Sandwich), era de tal maneira viciado no jogo de cartas, que para não ter que interromper o jogo durante as refeições, ele pedia que lhe servissem fatias de carne entre duas fatias de pão torrado. Daí surgiu o sanduíche.
sarcasm - sarcasmo vem do grego sarx (carne) e do verbo daí derivado sarkázein (arrancar carne). Um comentário sarcástico portanto, é aquele que "arranca carne", isto é, que fere.
sarchofagus - a palavra 'sarcófago' vem do grego sarkophágos, sarx (carne) + phágos (comer), significando literalmente 'comedor de carne'. Este termo era usado no mundo antigo como denominação de um determinado tipo de pedra calcárea usada para fabricação de urnas funerárias que tinha a propriedade de causar uma rápida decomposição.
school - a palavra school, obviamente ligada à palavra 'escola' do português, tem sua origem mais próxima no latim clássico schola, que por sua vez originou-se do grego skhole, que significava 'lazer'. Se para os gregos que viveram um século antes de Cristo, busca de conhecimento era lazer, parece uma ironia do destino que muitas escolas hoje representam um verdadeiro tormento a seus jovens freqüentadores.
soap opera - soap opera (telenovela) é composto da palavra soap (sabão, sabonete) + opera (ópera) e sua origem não é tão antiga. O rádioteatro a partir dos anos 30 e a televisão a partir dos anos 50 nos EUA, popularizaram os dramas melodramáticos retratando situações domésticas cotidianas. Aqueles programas da televisão americana eram (como o são ainda hoje) predominantemente no horário após o almoço, e eram dirigidos principalmente ao público feminino.
É preciso entender que na época a indústria de cosméticos não dispunha da mesma variedade de produtos supostamente proporcionadores de beleza tais como xampus, condicionadores, reparador de pontas, rinse, pomadas, cremes e líquidos hidratantes, esfoliantes, antioxidantes, anti-rugas, revitalizadores, rejuvenescedores, etc. Os produtos que na época exploravam a idéia de proporcionar beleza, tanto à pele como aos cabelos, eram simplesmente os sabonetes.
É preciso também entender que uma grande porcentagem da população feminina na época não possuía carreira profissional nem emprego, e encontrava-se normalmente em casa neste horário após o meio-dia. Se aceitarmos o fato de que grande parte do público feminino é atraído por melodramas, e de que este mesmo público tem preocupação com a beleza estética e é facilmente influenciado pela idéia de adquiri-la, facilmente entenderemos porque os melodramas em TV eram freqüentemente patrocinados por marcas de sabonete, dando origem ao termo soap opera.
Finalmente, se considerarmos que óperas foram no século passado e no início deste uma das mais altas manifestações artistico-culturais da humanidade, facilmente compreenderemos o tom irônico da palavra opera na expressão soap opera para as telenovelas de hoje.
superficial - esta palavra, de ortografia idêntica em inglês e português, vem do latim superficialis, um derivado de superficies (surface em inglês e 'superfície' em português). Superficialis, por sua vez, é composto do prefixo super (sobre) e facies (face); ou seja: a face de cima. O sentido predominante atual, de ser aquilo ou aquele que se preocupa apenas com a aparência externa, surgiu só no século 16.
superman - o criador desta palavra não foi nenhum norte-americano: foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche que cunhou a palavra übermensch para referir-se ao ser humano superior, evoluído intelectualmente, emocionalmente e espiritualmente, que transcende o bem e o mal - certamente nada a ver com o personagem das revistas em quadrinhos e dos filmes de hoje, corruptela comercial, barata e moderna do verdadeiro super-homem visionado pelo grande filósofo. Foi só em 1903 que o teatrólogo britânico George Bernard Shaw usou pela primeira vez a versão inglesa da palavra.
text - ou 'texto' vem do latim texere (construir, tecer), cujo particípio passado textus também era usado como substantivo, e significava 'maneira de tecer', ou 'coisa tecida', e ainda mais tarde, 'estrutura'. Foi só lá pelo século 14 que a evolução semântica da palavra atingiu o sentido de "tecelagem ou estruturação de palavras", ou 'composição literária', e passou a ser usado em inglês, proveniente do francês antigo texte.
toilet - a palavra toilet (vaso sanitário) está ligada a 'toalha', a 'têxtil', e também a 'texto' do português. A origem é novamente o latim texere (tecer), que por sua vez originou toile (pano, toalha) e toilette (pequena toalha) em francês. O significado de toilette evoluiu para o ato de lavar-se, vestir-se e arrumar-se: fazer a toalete. Foi só na metade do século 19 que nos EUA a palavra passou a ser usada como sinônimo de lavatory (pia ou vaso sanitário).
trivial - os educadores medievais reconheciam 7 artes liberais divididas em 2 grupos: as 3 elementares, denominadas em latim como o trivium de tri (três) + via (caminho) e as outras 4, mais elevadas, denominadas de quadrivium (4 caminhos). As artes do trivium eram a Gramática, a Lógica e a Retórica. As artes do quadrivium eram: Aritmética, Música, Geometria e Astronomia.
Em paralelo, o adjetivo trivialis do latim, além de referir-se às 3 artes do trivium, tinha também o significado de comum, ordinário. Ou seja, a qualidade pertinente a um ponto de encontro, a uma junção de três vias ou caminhos. Isto presumivelmente porque em tais locais públicos, por onde todo mundo passa, as pessoas eventualmente paravam para uma conversa inconseqüente, para botar a fofoca em dia.
Seja pela noção de que as artes do trivium talvez fossem menos importantes, ou porque nas esquinas e nos pontos de encontro de estradas as pessoas acabam parando para conversar sobre acontecimentos cotidianos, assuntos de pouca importância, o fato é que a partir de fins do século 15, a palavra trivial (de ortografia idêntica em português) passava a ser usada em ingês, assim como também em português, com o sentido de comum ou ordinário.
venereal - Vênus, a deusa romana da formosura e do amor é a origem da palavra venereal (venéreo). Foi através do adjetivo latino venereus, referente ao prazer ou ao intercurso sexual, que o inglês adotou venereal no século 15. Também venerate (venerar, adorar) do inglês, viernes (sexta-feira) do espanhol, vendredi (sexta-feira) do francês, camisa-de-vênus, a popular camisinha do português, e o nome do mais brilhante dos planetas têm origem no nome da deusa romana do amor.
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SOURCES
Ayto, John. Dictionary of Word Origins. New York: Arcade Publishing, 1993
Barnhart, Robert K. Chanbers Dictionary of Etymology. New York: Chambers, 2001
Houaiss, Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva 2001
McArthur, Tom. The Oxford Companion to the English Language. New York: Oxford, 1992
Merriam-Webster. Webster's Word Histories. Springfield, Massachusetts: Merriam-Webster 1989
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Sugestões e colaborações? emb@sk.com.br
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Agradecemos as colaborações de Vinícius Morais Simões e Patrick Brown.
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Não deixe de citar a fonte. Diga não ao plágio.
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domingo, 23 de março de 2008
Eu de novo, deu, deu??
Bem, preciso dizer que vi uma das imagens de Dionísio hoje.
Assisti Eu sou minha própria mulher...
"Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo." (Guimarães Rosa)
Poucas ou muitas palavras não atiantariam.
Em cartaz até amanahã no espaço AMF/ UNIMED, em Niterói.
Ou, procurem saber um pouco sobre a vida de Charlotte Von Mahlsdorf, alemã. Vale muito a pena...mesmo!!
Parabéns, infintas vezes para Edwin Luisi.
Encanto de uma pessoa, conciderem sempre as outras mil opniões...-Boca: gaveta de guardar língua e dentes.
Beijos, beijos...
Vamos levar as sobras de chocolate na segunda para aproveitar e tomar um banho de chocolate derretido na pele...é uma maravilha...rsrsrsrs
Martha Paiva
Assisti Eu sou minha própria mulher...
"Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo." (Guimarães Rosa)
Poucas ou muitas palavras não atiantariam.
Em cartaz até amanahã no espaço AMF/ UNIMED, em Niterói.
Ou, procurem saber um pouco sobre a vida de Charlotte Von Mahlsdorf, alemã. Vale muito a pena...mesmo!!
Parabéns, infintas vezes para Edwin Luisi.
Encanto de uma pessoa, conciderem sempre as outras mil opniões...-Boca: gaveta de guardar língua e dentes.
Beijos, beijos...
Vamos levar as sobras de chocolate na segunda para aproveitar e tomar um banho de chocolate derretido na pele...é uma maravilha...rsrsrsrs
Martha Paiva
terça-feira, 18 de março de 2008
Em homenagem ao meu, ao nosso período mensal feminino.
" Para os meus olhos quando chorarem,
terem belezas mansas de brumas,
que na penumbra se evaporam...
Para os meus olhos quando chorarem,
terem doçuras de auras e plumas...
E as noites mudas de desencanto
se constelarem, se iluminarem
com os astros mortos que vêm no pranto...
As noites mudas de desencanto...
Para os meus olhos, quando chorarem...
terem divinas solicitudes
pelos que mais os sadrificarem...
Para os meus olhos quando chorarem
Verterem flores sobre os palures...
Para que os olhos dos pecadores
que os humilharem, que os maltratarem
tenham carinhos consoladores,
se, em qualquer noite de ânsias e dores,
os olhos tristes dos pecadores
para os meus olhos se levantarem...
(para mim mesma)"
Cecília Meirelles
Martha Paiva
terem belezas mansas de brumas,
que na penumbra se evaporam...
Para os meus olhos quando chorarem,
terem doçuras de auras e plumas...
E as noites mudas de desencanto
se constelarem, se iluminarem
com os astros mortos que vêm no pranto...
As noites mudas de desencanto...
Para os meus olhos, quando chorarem...
terem divinas solicitudes
pelos que mais os sadrificarem...
Para os meus olhos quando chorarem
Verterem flores sobre os palures...
Para que os olhos dos pecadores
que os humilharem, que os maltratarem
tenham carinhos consoladores,
se, em qualquer noite de ânsias e dores,
os olhos tristes dos pecadores
para os meus olhos se levantarem...
(para mim mesma)"
Cecília Meirelles
Martha Paiva
domingo, 16 de março de 2008
...
pois é... o video nao quer abrir mesmo..
Comentario da Martha faço minhas as suas palavras.. tudo doia.. tudo remexeu, tudo meio que mudou, coragem para pensar no que não estava bom e vinha "empurrando com a barriga", mas.. amigos.. estou passando por um periodo de revolução...
Bem...
"Não me enviaram senão anjos, não me acontece senão milagres"
E a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar!!!!!
Bjus
Luana Ribas
Comentario da Martha faço minhas as suas palavras.. tudo doia.. tudo remexeu, tudo meio que mudou, coragem para pensar no que não estava bom e vinha "empurrando com a barriga", mas.. amigos.. estou passando por um periodo de revolução...
Bem...
"Não me enviaram senão anjos, não me acontece senão milagres"
E a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar!!!!!
Bjus
Luana Ribas
quarta-feira, 12 de março de 2008
Desabafo
Sou um ser...
Um ser humano, as vezes demasiadamente humano, as vezes animal!!
Gosto muito da vida, mas muitas vezes tentei dar fim a minha,
Tenho problemas como todo mundo, mas gosto mais das soluções que os problemas trazem, no nosso grupo me sinto livre, sinto que saio da gaiola, sinto que posso voar!!
Eu nasci para voar!!
Os pés no chão?? Não sei muito bem o que é isso, apesar de tamanhas tentativas de me robotizar, me adequar ao certo, ao digno...
Estou hoje particularmente muito carente, muito sensível, muito muito... eu sou muito extremista, ou 8 ou 80, não sei ser mais ou menos, sou um ser inteiro, ou não sou nada...
Nossas não regras me fazem ver regras, me disciplinam a não faltar as aulas, a não chegar atrasada...
Encontrei em pouco tempo um lugar onde me sinto em casa no Rio de Janeiro, encontrei coisas familiares, pessoas bonitas e com olhos de um brilho imenso!!
Adoro!!!
Estou usando nesse momento o blog para o que ele serve... Zona Livre!!
A aula de hoje me fez pensar muito na minha vida, nas minhas atitudes e não atitudes, nos meus medos e anseios...
Não quero que me entendam, que me leiem ou que me escutem, não quero piedade, só quero desabafar..
A tanto tempo procuro meu lugar no mundo e meu lugar é no mundo inteiro, onde meus pés possam pisar o chão frio e minhas asas possam bater e voar pelo céu azul!!
Não sei do meu dia de amanhã e nem sei se quero saber, mas as vezes me preocupo com ele, mesmo sabendo que devo me ocupar ao invez de preocupar.. rsrsr
Sei que esse momento que vcs, os transgressores surgiram na minha vida foi crucial, assim como todos são... e espero que ele dure o eterno momento do agora!!
Sou meio louca ne?! Estou meio deprê hoje!! Mas nada como o nascer de um novo dia, um abraço amigo ou uma boa conversa!!
O que é ser ator??
É ser Humano, humano para poder ser humano, onde pode no palco ser e sentir tudo que sente normalmente e que tem que muitas vezes mascarar... essa foi minha resposta no teste do Instituto N. S. do Teatro hoje!!
Bjus a todos!!
Liguem não... sou um ser pensante...E hoje estou sangrando por dentro!!!
Luana Ribas
Um ser humano, as vezes demasiadamente humano, as vezes animal!!
Gosto muito da vida, mas muitas vezes tentei dar fim a minha,
Tenho problemas como todo mundo, mas gosto mais das soluções que os problemas trazem, no nosso grupo me sinto livre, sinto que saio da gaiola, sinto que posso voar!!
Eu nasci para voar!!
Os pés no chão?? Não sei muito bem o que é isso, apesar de tamanhas tentativas de me robotizar, me adequar ao certo, ao digno...
Estou hoje particularmente muito carente, muito sensível, muito muito... eu sou muito extremista, ou 8 ou 80, não sei ser mais ou menos, sou um ser inteiro, ou não sou nada...
Nossas não regras me fazem ver regras, me disciplinam a não faltar as aulas, a não chegar atrasada...
Encontrei em pouco tempo um lugar onde me sinto em casa no Rio de Janeiro, encontrei coisas familiares, pessoas bonitas e com olhos de um brilho imenso!!
Adoro!!!
Estou usando nesse momento o blog para o que ele serve... Zona Livre!!
A aula de hoje me fez pensar muito na minha vida, nas minhas atitudes e não atitudes, nos meus medos e anseios...
Não quero que me entendam, que me leiem ou que me escutem, não quero piedade, só quero desabafar..
A tanto tempo procuro meu lugar no mundo e meu lugar é no mundo inteiro, onde meus pés possam pisar o chão frio e minhas asas possam bater e voar pelo céu azul!!
Não sei do meu dia de amanhã e nem sei se quero saber, mas as vezes me preocupo com ele, mesmo sabendo que devo me ocupar ao invez de preocupar.. rsrsr
Sei que esse momento que vcs, os transgressores surgiram na minha vida foi crucial, assim como todos são... e espero que ele dure o eterno momento do agora!!
Sou meio louca ne?! Estou meio deprê hoje!! Mas nada como o nascer de um novo dia, um abraço amigo ou uma boa conversa!!
O que é ser ator??
É ser Humano, humano para poder ser humano, onde pode no palco ser e sentir tudo que sente normalmente e que tem que muitas vezes mascarar... essa foi minha resposta no teste do Instituto N. S. do Teatro hoje!!
Bjus a todos!!
Liguem não... sou um ser pensante...E hoje estou sangrando por dentro!!!
Luana Ribas
terça-feira, 11 de março de 2008
Um post da Martha de Paiva
A VOCAÇÃO
Eu não entrei na trilha dos saltimbancos por acaso, nem para ser um reles fazedor de graça. Eu queria consagrar a minha vida através de um imperioso apelo vocacional. Mas as pessoas, com suas receitas de sucesso, sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma sensibilidade, vieram me falar de mil e um palhaços geniais. Tem um que comove multidões ao aprisionar um raio de sol pra levar pra casa... Tem um que faz balões de gás dançarem alegremente ao som de seu trompete... Tem um que ridicularizou um tirano, um assassino sanguinário que queria ser o senhor absoluto do Mundo... Tem um comprido, de calça pela canela, arcado pra frente devido ao pesado fardo da indignação contra a mecanização imposta ao homem moderno...Tem o magro sonso... Tem o gordo ingênuo e bravo... Tem os que dão piruetas, saltam, dão cambalhotas, levam bofetões... Tem os que tocam música clássica em garrafas vazias penduradas num varal... Tem outro... e outro... e outro... Tem aquele pobre palhaço louco que andava pelas igrejas jogando malabares diante das imagens da Santa Maria: esse, me disseram, morreu enforcado na cruz do Senhor Jesus Cristo, numa catedral gótica... Escutei, humilde, a história de cada um desses incríveis artistas que viajavam pelas vias da loucura. Saber desses palhaços... para mim, Bobo Plin, um palhacinho de merda que começava a engatinhar nos picadeiros mal iluminados das espeluncas... saber desses palhaços só serviu para me tolher. Quanto mais eu sabia deles, mais e mais Bobo Plin, o palhaço que eu queria ser, se enroscava nas minhas entranhas.A referência esmagava minha intuição e provocava auto-censura. A comparação, maldita inimiga da igualdade, fazia dos magníficos histriões elementos inibidores da minha criatividade. Agora, Bobo Plin não quer saber da façanha destes belos palhaços. Não quer vê-los. Nem quer saber de seus bigodes, sapatões, guizos, pompons, bolas, balões e babados. A magia dos grandes artistas não pode ser ensinada; são segredos que se aprende com o coração. Essa magia se manifesta quando se resolve fazer a própria alma. Para Bobo Plin se irmanar com os grandes palhaços que luziram nos palcos e picadeiros, tem que se esquecer deles pra sempre. Não pode recolher nenhuma indicação deixada no caminho. Tem que andar sem bússola, na mais tenebrosa escuridão. Qualquer brilho, qualquer estrela, qualquer sol, qualquer referencial vira um ponto hipnótico embrutecedor. E eu quero fazer a minha alma.
Plínio Marcos
segunda-feira, 10 de março de 2008
Música citada hoje!
Lembram que o Anselmo disse da musica que esta no meu msn?? Resolvi colocar a letra aqui para expor um pouco do que eu sinto, alias, minha vida é muito feita de musica, adoro letras que dizem o que eu quero dizer:
Adriana Calcanhotto - Senhas
Eu não gosto de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
o que eu não gosto é de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem...
Luana Ribas
Adriana Calcanhotto - Senhas
Eu não gosto de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
o que eu não gosto é de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem...
Luana Ribas
Sobre o sentimento que percebemos hoje nos depoimentos e trabalhos apresentados
Ensaio sobre Carlos Castaneda
O que dizer de uma filosofia que oferece uma nova visão de Mundo? Uma filosofia que não tem nenhuma ligação com nada conhecido? Uma filosofia que se baseou na experiência dos feiticeiros indígenas da América mas que entendeu toda a complexidade do mundo moderno?
Esse é o desafio que os críticos brasileiros não souberam ou não quiseram aceitar. Pois a revelação de Don Juan e tão radicalmente nova que poucos tiveram a coragem de, publicamente, declarar seu amor por ela. Marília Pera, por exemplo, foi ridicularizada por usar alguns textos dos livros de Castaneda no seu show Feiticeira. A revista Veja divulgou uma entrevista de Castaneda, mais como "furo" de reportagem, por interesse comercial, do que por qualquer outra coisa.Assim mesmo o texto enquadra Castaneda como um autor tradicional (existe ate uma comparação com Borges).
Os livros de Castaneda não são literatura. Basta ler todos eles para se chegar a essa conclusão. É a divulgação de uma revelação espiritual, a primeira revelação espiritual da América. O problema dos críticos que a maioria deles não entendeu direito a revolução cultural que começou na década passada. Tem gente que ainda acha que rock e uma barulheira, que todos tomam drogas para se alienar, que as pessoas deixam crescer os cabelos por problemas freudianos elementares, e que tudo não passou de uma moda que o sistema tratou de aproveitar.
Esses preconceitos é que impedem as pessoas de entender uma mensagem tão profunda como e a revelação de Don Juan para todos nós. Tudo isso e muito revelador, pois quem não acredita na revolução (ou não sabe como localizá-la ) acaba lutando contra ela.
A mistificação, principal denúncia dos críticos a Carlos Castaneda é a coisa mais combatida por Don Juan, durante todo o ensinamento. A luta toda de Don Juan, segundo o relatório de Castaneda, e fazê-lo libertar-se dos equívocos que séculos de civilização cristalizaram na sua cabeça. Isso é que dá o carater de revelação, pois todas as revelações espirituais que conhecemos querem mudar a percepção das pessoas, querem mudar seu sistema de valores mudando a maneira de viver das pessoas.
Não foi em vão que Cristo disse para os seus discípulos: "Deixa tudo, Vem e segue-me". Cristo arrancava assim as pessoas de suas rotinas diárias e os iniciava nas coisas que essas rotinas adiam durante a vida toda. Levava-os para passear no deserto, atravessava os rios, ficar acordado à noite. Com isso Cristo fazia os discípulos mudarem a sua percepção de mundo, pois estavam sempre atentos, não sabiam o que iam comer, nem quando nem onde, seus pensamentos entravam em outra viagem, cheia de visões, de verdades, de premonições.
A filosofia oriental não age diferente. O guru esta sempre procurando despertar no seu discípulo uma nova percepção, pois a percepção normal está completamente embotada para a magia do universo. No fundo, a percepção normal é apenas o mais eficiente instrumento de poder. É através dela que um homem pode fazer o mesmo gesto até morrer, sem reclamar. É obstruindo a visão mágica do universo, que só vem através a atenção constante, que o poder escraviza os homens. E Cristo, Buda Maomé e outros foram exatamente contra essa dominação, que se faz dentro da cabeça de cada um.
O que o poder fez com Cristo por exemplo? Chamou-o de Deus e encerrou o assunto. E mandou queimar todos aqueles que quiseram provar que qualquer um poderia fazer o que ele fez, como curar doentes, passear pelas águas, desaparecer. A perseguição aos bruxos (que ainda não acabou) é apenas uma disputa de poder, ou melhor, e a guerra sistemática do poder contra a libertação do espírito. Pois se as pessoas conseguirem voar por cima dos telhados quem é que vai ficar trabalhando oito horas por dia?
Naturalmente, esse tipo de raciocínio não pode ser levado a sério pela mentalidade oficial, apesar do lado prático do poder se encarregar de limpar o terreno, o desprezo e a ironia são apenas formas sofisticadas de repressão muito eficiente na nossa época de extrema manipulação psicológica. Além disso, o poder prefere não se preocupar com coisas tão radicais como pessoas saírem voando per janela, pois confia exageradamente nas drogas permitidas, como a televisão, o automóvel, o álcool, etc. Todo esse enfoque ficou fora da cogitação dos críticos brasileiros tão preocupados com os modismos importados, sem se darem conta que os seus pretextos é que são modismos filosóficos vindos de fora. Pois, se não existissem preconceitos, todos aceitariam a idéia de que um desprezado índio yaqui , perdido num deserto, pudesse ter a clareza total sobre a vida do homem civilizado. E ainda mais: que propusesse uma forma de salvação individual e coletiva como única forma de romper com o círculo vicioso criado pela civilização nestes últimos milênios.
II
Mas que trata a revelação Don Juan exatamente? Trata da salvação do homem, como todas as outras revelações. Isto não quer dizer que ele "nasça perdido" por uma contingência natural, como quer a Igreja Católica com sua tese sobre o pecado original. Mas Don Juan admite que o homem nasça perdido por pertencer a civilização. E propõe a destruição da civilização de maneira original: destruindo a civilização dentro de nós. Isto é: não deixando que a percepção de mundo criado manipulado pela civilização, por milénios de opressão, siga mantendo nosso estado de espírito de impotência, vazio, dor, loucura.
Ele propõe que o homem lute por essa destruição, de maneira simples: não tendo medo da morte, rompendo as rotinas, sendo permanentemente atento a tudo e, principalmente, não perdendo o sentimento de ligação.com a terra. Propõe também o fim de toda obsessões. Algumas pessoas deixaram de ler o quarto livro, Porta para o Infinito, porque Don Juan aparece de terno. Esta é realmente sua maior lição. No momento em que Castaneda está totalmente convencido que ele é um índio, que se veste como índio e que jamais poderia viver na cidade, ou seja, quando a imagem de Don Juan vira um obsessão para ele, o bruxo aparece de terno para fazer Castaneda romper com ela. Para provar que "um homem de conhecimento" (aqui entramos no conceito específico de Don Juan) pode fazer o que quiser, desde que o faça com desprendimento, isto é , sem obsessão. Luís Carlos Maciel foi um dos jornalistas brasileiros que entenderam essa mensagem. Ele colocou na abertura do seu livro, Nova Consciência, a parte em que Don Juan explica a função do homem de conhecimento, que faz sua tarefa "impecavelmente" e quando a termina, se retira, sem remorsos nem dúvidas (fazer uma coisa impecavelmente é ter consciência da morte a cada momento e encarar cada instante da vida como "a última batalha sobre a terra").
E qual a tarefa de Castaneda ? É divulgar a revelação. Nota-se um crescente domínio da linguagem de livro para livro. Muita gente desistiu de ler Erva do Diabo, o primeiro livro, devido a, alguns defeitos, como a estruturação, a monotonia de algumas partes, em que Don Juan explica detalhadamente o uso das plantas. Aos poucos, conforme ia crescendo no conhecimento, Castaneda foi estruturando melhor os livros, sendo cada vez mais contundente. Uma Estranha Realidade ainda tem um pouco dos equívocos do primeiro livros, o que não acontece com Viagem a Ixtlan e Porta para o Infinito. Viagem a Ixtlan está recomendado para todos aqueles quem desistiram nos primeiros passos da viagem, pois seus primeiros capítulos são absolutamente objetivos, equivalendo, cada um, a uma martelada. E Porta para o Infinito consegue ser o melhor de todos os livros de Castaneda, não só pela excelente narrativa, como pela divulgação da parte mais assombrosa e radical da revelação.
É quando Don Juan revela que homem não se divide em corpo e alma ou espírito e matéria Ele propõe uma nova dualidade: o tonal e o nagual (pronúncia: naual) É preciso ter muito cuidado com definição de tonal e nagual, o mesmo cuidado que Don Juan teve ao explicar para Castaneda. Pode-se dizer que é através do nagual que o homem pode voar, se transformar em pássaro, enxergar as outras dimensões de universo. E que é através do tonal que o homem tem a percepção normal do universo, que se tornou obsessiva e anti-natural. Mas o tonal pode ser modificado para se chegar ao nagual sem ficar louco, sem entrar numa viagem sem fim.
III
Don Juan fala sempre em voltar. Isto é, viajar para outros mundos mas sem perder a noção deste mundo. Esse dado é muito importante, pois assim a revelação de Don Juan fica sendo uma resposta à altura que os jovens dos anos 60 procuravam. Fica sendo uma sistematização, um aprofundamento da revolução dos anos 60, quando a juventude partiu para uma profunda transformação dos valores. Essa transformação, através do rock, das drogas, era principalmente por uma nova percepção de mundo.
Mas as filosofias orientais não foram capazes de atender, de satisfazer totalmente aqueles que procuravam ir até o fim da revolução. Sintomaticamente, com Don Juan surge um método prático, ocidental, profundamente identificado com a nova mentalidade que está surgindo no Novo Mundo, para aprofundar essa revolução. Isto é: para que cada um siga seu destino mágico, que ninguém mais sofra com o sentimento de culpa, a vida dupla, o vazio, a monotonia, a loucura.
O "sonho" do anos 60 acabou quando os jovens viram que nada tinha mudado, pois a civilização estava intacta e, o que era pior, faturando em cima da revolução. Ao fazer essa constatação, John Lennon voltou para velhos clichês revolucionários, que abandonou logo depois para voltar ás raízes do rock e fazer outros tipos de procura. Ao bater a cabeça contra o muro, John Lennon se poderia recair no velho clichê da alienação. Esta é sua proposta na música Imagine: fazer as pessoas esquecerem que há países, guerras, fome, etc.
Mas não é isso que Don Juan propõe, é exatamente ao contrário: Ele quer que Castaneda, não se aliene e que abra os olhos para o universo. Não propõe a fuga do mundo. Ele quer que Castaneda enfrente o mundo com outros olhos, outras atividades. Ele quer que Castaneda faça com que a percepção imposta pelo poder desmorone a qualquer hora . Isto é: que não haja sonho mas abertura para outras realidades. Que não lamente nada (como faz Lennon em Imagine) e que seja mágico sempre. A contribuição mais importante de Don Juan para esta revolução é o uso consciente dos alucinógenos para romper com a visão normal de mundo, sem se viciar nos seus efeitos. Don Juam diz só os alucinógenos podem tirar o homem do seu marasmo sensorial, mas avisa que eles são só um impulso, que o mais importante é o seguir a coisas sem nenhuma ajuda exterior. Cada um deverá cumprir seu próprio destino. E esse destino, inevitavelmente, será belo, mágico, grandioso, pois um homem que luta pelo conhecimento não ficará fora da verdade do universo.
Esta é a primeira revelação exclusivamente americana: foi feita por um homem que nasceu no Brasil para outro que nasceu na América do Sul e fez sua formação cultural nos Estados Unidos. Foi ter nascido na América do Sul que inclinou Castaneda para o estudo das plantas alucinógenas e foi ter estudado numa universidade importante que lhe deu condições para sistematizar a iniciação de Don Juan, de uma maneira que pudesse ser assimilada pelas pessoas civilizadas. Durante todo o aprendizado, Castaneda faz todas as perguntas que qualquer civilizado comum faria.
A proposta de salvação feita por Don Juan à humanidade é a contribuição espiritual do povo que se formou na América: sem vínculos, debochado, sincero e diretamente ligado em todas as nossas fraquezas e na maneira eficiente de superá-las e encontrar a salvaçáo. É a proposta radical de um povo explorado. Don Juan diz que os feiticeiros índios saíram ganhando com a exploração européia pois se refugiaram no único lugar onde o homem branco jamais iria entrar: no nagual.
Se a revelação for encarada como uma religião (o termo é perigoso devido à experiência negativa das religiões) no seu verdadeiro sentido, de religar o homem ao universo, pode-se dizer que esta uma religião de batalha. Don Juan pede que as pessoas assumam a responsabilidade de viver num mundo maravilheso. Pois ele não recebeu a luz do alto, como nas outras revelações, mas conquistou-a duramente depois de muita experiência, vivendo como índio explorado pelos brancos. Quem ensinou os segredos para Don Juan não era ninguém especial, era um feiticeiro, um homem.
A saúde de Don Juan não permitirá que ele seja sacralizado. Como endeusar um cara que diz bosta, fresco, gosta de tudo, não reprime nem propõe repressões, é debochado, sabe músicas mexicanas vulgares, investe na bolsa de valores? Don Juan não propõe o desvendamento do mistério (quem somos, de onde viemos, para onde vamos), mas a utilização dos mistérios para a felicidade. Jamais fala em Deus, mas nos poderes que governam o mundo.
Don Juan não acena com a vida eterna mais com a felicidade nesta vida, através de uma vigilância contínua e de um conhecimento claro sobre as coisas. E mesmo que as pessoas não queiram se aprofundar nas plantas alucinógenas, elas poderão praticar, por exemplo, os exercícios de dominar os sonhos (viajando através deles), como perder a importância própria (praticamente e não através do falso sentimento de "humildade") e como conviver com sua morte. O medo da morte e o que levou o homem a construir o mundo de paranóia em que vivemos. Quanto mais a humanidade tentou se afastar de morte, isto é, quanto mais tentou ser imortal através da ciência, da repressão, da alienação, mais rodeado ficou dela, como provam os arsenais de guerra cultivados por todos os países do mundo.
A grande contribuição para o mundo ocidental é o método de Don Juan para cada um se libertar do complexo de culpa, do falado "pecado original" pregado pela Igreja católica, que e uma fonte cotidiana de dor e insatisfação. Dizendo que nada tem importância, Don Juan propõe uma forma eficiente de romper com o passado (todas as raças do mundo estão nas Américas, continentes sem vínculos com o passado, onde as coisas poderão surgir da realidade presente).
Dessa forma, ela aponta uma forma correta de todos renascerem. É a volta da inocência. Se cada um decide o que é importante (a tarefa do guerreiro), então o tudo está por ser feito. É o fim da transação mórbida com a morte, que é praticada por todas as religiões oficiais. A morte é uma coisa tão viva como escrever um livro e que está sempre a nossa esquerda, na distância de um braço. A qualquer momento ela poderá nos tocar. E pela primeira vez na história uma teoria diz que podemos ser perfeitos neste mundo, sem precisar morrer para alcançar esta perfeição
Um dos filósofos que mais se aproximam da revelação de Don Juan é Nietzsche. Ele se deu conta da importância de corpo para o conhecimento, concebeu a felicidade do homem através de uma filosofia além do bem e do mal, destacou a importância de se viver como um guerreiro, enfrentando a vida, não tendo limites de vôo e se relacionando de maneira aprofundada com a natureza. O problema de Nietzsche é que ele seguiu a tendência de um civilizado comum ao transformar todas essas iluminações em obsessões, dando importância exagerada aos seus sentimentos e ao desprezo pela civilização.
No fim, a filosofia de Nietzsche, que devia ser da saúde, fica também como uma coisa mórbida. Ficou muita pesada, obsessiva e irreal, apesar da dose de verdade contida nela. Irreal porque e impossível para nós viver como Zaratustra (mais um personagem literário de que uma pessoa real) mas é perfeitamente possível viver como um guerreiro. Além disso, Nietzsche não tinha a clareza de Don Juan, nem podia ter, pois era um civilizado, sem nenhum conhecimento das coisas misteriosas que os índios sabem e trouxeram até a nossa época.
VI
Estas são as razões que estão levando milhões de pessoas a comprarem os livros de Castaneda. É a vontade que todos tem de se encontrar, de se salvar e não a vontade que as pessoas tem de se alienar, de fugir da realidade, como pensam os críticos brasileiros. Estes é que estão com os olhos fechados para as coisas novas que estão surgindo no mundo. São estes é que estão procurando se alienar quando colocam ou procuram colocar as verdades simples numa prateleira, sem analisa-las, sem verificar suas causas. Essa alienação é um sentimento generalizado na imprensa, o medo do sistema pelas grandes transformações da humanidade, nessa época de transição social e cultural.
Pois estas pessoas não estão atentas a uma verdade: pela primeira vez na história da humanidade existe uma estrada real que poderá levar qualquer um à totalidade do ser. Se todos tomarem consciência que o verdadeiro par do ser humano não é o bem e o mal, espírito e matéria e sim o tonal e o nagual, a humanidade poderá finalmente partir para uma vida impecável (limpando o tonal) e fazendo viagens seguras ao nagual, aquela parte desconhecida do ser que não existe no céus mas na frente dos nossos olhos e dentro de nós.
Só dessa maneira, vivendo como um guerreiro, e chegando ao conhecimento através da totalidade do ser é que a humanidade poderá enfrentar os umbrais que se aproximam. É importante destacar aqui que Castaneda começou sua viagem através de um relacionamento com uma entidade da natureza (Mescalito, que existe dentro de peiote). Não seria essa a forma que a natureza encontrou de salvar o homem da auto-destruição? Não estaria a natureza ameaçada lembrando ao homem seu verdadeiro destino? Não seria essa a revelação que dá acesso ao poder para todas as pessoas?
Deve-se dizer, ainda, que Don Juan rompeu com todas as tradições. Ele recebeu o conhecimento da tradição indígena, mas não guardou para si ou para o seu discípulo. Permitiu que o segredo fosse divulgado. "O segredo era uma rotina como qualquer outra", diz ele.
Por enquanto, revelação está muito bem disfarçada de best-seller. O interessante é notar que a coisa mais explosiva que existe atualmente as livrarias, que são estes quatro livros, esteja tão relegada pela cultura oficial. Isso prova a importância da revelação, pois só as coisas verdadeiramente novas são desprezadas ou perseguidas. Felizmente, os livros de Castaneda são apenas desprezados, e não poderia ser de outra forma, pois o sistema teme cair no ridículo se queimar livros que ensinam a gente a voar.
Fatalmente surgirão os próximos livros de Castaneda. Pois pôde-se notar que ele não está a fim de deixar seu relatório incompleto (um guerreiro cumpre sua tarefa até o fim e depois se retira se remorsos nem dúvidas). Cada livro de Castaneda elucida todas as perguntas do anterior crescendo sempre em concentração de informações. ) Novas perguntas surgem a partir do fim do último livro, quando Castaneda e seu companheiro Pablito se atiram do Penhasco pois estará faltando o relatório da sua viagem ao nagual e a maneira como um civilizado vive como um guerreiro. Talvez este novo livro (ou novos livros) surjam daqui a dez anos ou mais, quando Castaneda tiver coisas realmente novas para contar.
Deve-se destacar a importância que essa revelação terá na vida e no pensamento da humanidade, principalmente das gerações mais novas, que já tiveram uma espécie de iniciação coletiva com o rock, as drogas e a volta ao oriente. Essa importância crescerá nos próximos anos à medida que for aumentando a coragem das gerações de 1950-60 em levar a sua revolução até o fim. Dentro de nós e o único lugar que ainda temos.
*Este ensaio foi escrito em 1974 pelo jornalista brasileiro Ibral Vitti. Feito com o impacto da recepção dos quatro primeiros livros (até Porta Para o Infinito) traz uma abordagem interessante, que busca sobretudo dimensionar a obra em sua verdadeira importância, diante do menosprezo da crítica oficial.
sábado, 8 de março de 2008
sexta-feira, 7 de março de 2008
Videoteca
Vamos aproveitar esse espaço para fazer uma videoteca também!!
Em meio a pots, ensinamentos e pensamentos teremos videos...
Uma zona Livre...
Em meio a pots, ensinamentos e pensamentos teremos videos...
Uma zona Livre...
Postagem do meu Blog pessoal
2008
Nesse ano novo quero água fresca, doce e salgada...
Quero os amigos de longe pertinho e os de perto juntinhos...
Quero meu filho mais lindo do que nunca...
Quero ficar magrinha...
Quero aprender mais de tudo que existe...
E esquecer de tudo que é triste...
Quero muitos shows lindos, que me fazem sentir viva...
Quero a vida do jeito que vier, de preferência bem colorida...
Quero os resultados positivos dos vestibulares...
E negativos de todos os exames de sangue...
Quero andar na rua sem olhar pra trás...
Quero abstrair tudo que não existe mais...
Quero amar o grande...
E amar o pequenininho também...
Quero pessoas novinhas, e pessoas velhas de guerra...
Quero cheiro de brinquedo novo...
E cheiro de comida gostosa...
Quero paz, mais paz do que saúde até...
Quero dinheiro só pra não precisar perder a paz, nem quero muito dinheiro não...
Esse ano novo quero cores, quanto mais cores melhor...
Quero muito branco... verde, amarelo, azul, rosa, roxo, cinza, vermelho, e quero preto também...
Quero liberdade...
Liberdade para ser, ter, querer, amar, sentir e viver...
Quero ser eu...
Quero me mostrar a todos...
Quero tudo isso pra 2008...
E o que eu vou dar em troca??
Vou ser o melhor que posso!!
Prometo não sofrer, não me magoar, não me ferir...
As nossas escolhas são as escolhas do mundo!!
A natureza escolheu ser feliz!!!
Nós somos a natureza...
Felicidade não é uma reação, é uma decisão!!
Nesse ano EU DECIDI SER FELIZ!!!
Luana Ribas
31/12/2007
13:09hs
Nesse ano novo quero água fresca, doce e salgada...
Quero os amigos de longe pertinho e os de perto juntinhos...
Quero meu filho mais lindo do que nunca...
Quero ficar magrinha...
Quero aprender mais de tudo que existe...
E esquecer de tudo que é triste...
Quero muitos shows lindos, que me fazem sentir viva...
Quero a vida do jeito que vier, de preferência bem colorida...
Quero os resultados positivos dos vestibulares...
E negativos de todos os exames de sangue...
Quero andar na rua sem olhar pra trás...
Quero abstrair tudo que não existe mais...
Quero amar o grande...
E amar o pequenininho também...
Quero pessoas novinhas, e pessoas velhas de guerra...
Quero cheiro de brinquedo novo...
E cheiro de comida gostosa...
Quero paz, mais paz do que saúde até...
Quero dinheiro só pra não precisar perder a paz, nem quero muito dinheiro não...
Esse ano novo quero cores, quanto mais cores melhor...
Quero muito branco... verde, amarelo, azul, rosa, roxo, cinza, vermelho, e quero preto também...
Quero liberdade...
Liberdade para ser, ter, querer, amar, sentir e viver...
Quero ser eu...
Quero me mostrar a todos...
Quero tudo isso pra 2008...
E o que eu vou dar em troca??
Vou ser o melhor que posso!!
Prometo não sofrer, não me magoar, não me ferir...
As nossas escolhas são as escolhas do mundo!!
A natureza escolheu ser feliz!!!
Nós somos a natureza...
Felicidade não é uma reação, é uma decisão!!
Nesse ano EU DECIDI SER FELIZ!!!
Luana Ribas
31/12/2007
13:09hs
Medo
Estranho quando nos vemos em situações como a que me encontro...
Com vontade de escrever mas com medo de falar besteira.. huahauh aqui é uma zona LIVRE... então porque ter esse medo?
Assunto da última aula, ou melhor dizer do nosso último encontro... medo! E assunto pertinente a toda a oficina, a robotização do ser humano, os conceitos e a cultura que nos faz querer ser pelo menos igual aos que são bons, sendo que penso que sou boa mesmo não sendo igual a ninguém, cada ser tem seu valor único e todos estamos aprendendo a ver esse nosso valor.
Muitas vezes me sinto ainda uma adolescente onde não vejo lugar pra mim no mundo dos adultos pais bem sucedidos, empresários ou donas de casa! Que saco, vontade de gritar e dizer que eu não quero essa porra! Quero liberdade de ser quem sou, de pensar como quero, de mudar meus conceitos ao tempo que eu bem entender! Puta quil pariu!! Me sinto a vontade demais com a turma dos transgressores, sou um ser apaixonado, me apaixono pelas coisas, pelas pessoas... Pode parecer balela, pode ser cliché, mas a umas 4 semanas venho sentindo que encontrei meu lugar ao sol... Encontrei o caminho que quero trilhar, e posso ainda mudar de ideia, olha que maravilha!
Bem, só comecei a escrever para transpor a barreira que eu senti ao ler os textos inteiramente bem elaborados e bem escritos do Anselmo, mas... como tudo é experiência.. ta ai.. abrindo a zona para falar sobre todo e qualquer assunto.
Bjus a todos!
Luana Ribas
Com vontade de escrever mas com medo de falar besteira.. huahauh aqui é uma zona LIVRE... então porque ter esse medo?
Assunto da última aula, ou melhor dizer do nosso último encontro... medo! E assunto pertinente a toda a oficina, a robotização do ser humano, os conceitos e a cultura que nos faz querer ser pelo menos igual aos que são bons, sendo que penso que sou boa mesmo não sendo igual a ninguém, cada ser tem seu valor único e todos estamos aprendendo a ver esse nosso valor.
Muitas vezes me sinto ainda uma adolescente onde não vejo lugar pra mim no mundo dos adultos pais bem sucedidos, empresários ou donas de casa! Que saco, vontade de gritar e dizer que eu não quero essa porra! Quero liberdade de ser quem sou, de pensar como quero, de mudar meus conceitos ao tempo que eu bem entender! Puta quil pariu!! Me sinto a vontade demais com a turma dos transgressores, sou um ser apaixonado, me apaixono pelas coisas, pelas pessoas... Pode parecer balela, pode ser cliché, mas a umas 4 semanas venho sentindo que encontrei meu lugar ao sol... Encontrei o caminho que quero trilhar, e posso ainda mudar de ideia, olha que maravilha!
Bem, só comecei a escrever para transpor a barreira que eu senti ao ler os textos inteiramente bem elaborados e bem escritos do Anselmo, mas... como tudo é experiência.. ta ai.. abrindo a zona para falar sobre todo e qualquer assunto.
Bjus a todos!
Luana Ribas
quinta-feira, 6 de março de 2008
Um assunto Pertinente ao Blogger
IMAGINÁRIO DA CIBERCULTURA. ENTRE NEO-LUDDISMO, TECNO-UTOPIA, TECNOREALISMO E TECNOSURREALISMO.
"Your idea is crazy, but it isn't crazy enough to be true"
Neils Bohr
O imaginário da cibercultura é permeado por uma polarização que persegue a questão da técnica desde os tempos imemoriais: medo e fascinação. O que vemos hoje, com o desenvolvimento da cibercultura (Internet, realidade virtual, cyborgs, hipertextos, etc.), é o acirramento da querela entre o que Umberto Eco chamou de apocalípticos e integrados[1]. O que surge nesse final de milênio é a radicalização dos debates intelectuais sobre a cibercultura entre aqueles que são taxados de neo-luddites (contra a euforia tecnológica) e os que são chamados de tecno-utópicos (promotores dessa mesma euforia).
Com o objetivo de esgotar a querela e instaurar o consenso, um grupo de intelectuais americanos criou, em março de 1998, uma corrente de pensamento e posicionamento em relação à tecnologia batizada de "Tecnorealismo"; uma espécie de movimento intelectual pelo bom senso e pela frieza nas observações e análises sobre a cultura tecnológica contemporânea. Nem luddites (pessimistas-apocalípticos) nem utópicos (otimistas-integrados), os tecnorealistas, como o nome expressa, pretendem-se realistas (?), sendo a voz da razão, da objetividade e, mais do que isso, da neutralidade. Eles buscam encontrar a posição do meio, plantar-se no centro do debate sobre os impactos sociais das novas tecnologias de comunicação instaurando (impondo?) o consenso. Mais do que nunca a questão da técnica emerge dessa mistura esquizofrênica de amor e ódio.
Vamos tratar aqui da polarização do imaginário social da técnica contemporânea, tentando mostrar que o movimento tecnorealista não passa de uma cruzada contra as posições extremadas de otimistas e pessimistas, buscando a via racional da cibercultura. Nesse sentido, talvez estejamos mais próximos de um tecnosurrealismo (R.U.Sirius) do que da unanimidade da visão tecnorealista. Como vimos na pequena digressão histórica dos primeiros capítulos (necessária para compreendermos a origem dessa tensão), essa polarização não é um fato novo na história da técnica.
Neo-luddismo e Tecno-utopia.
A cibercultura contemporânea vai acirrar a ambigüidade ancestral que está na origem do fenômeno técnico. Estamos hoje no fogo cruzado entre intelectuais que associam uma postura "crítica" com uma visão negativa da tecnologia (por exemplo Virilio, Baudrillard, Shapiro, Postman) e aqueles ditos utópicos, que vêem nas novas tecnologias um enorme potencial emancipatório, fonte de criação de inteligentes coletivos, de resgate comunitário e de enriquecimento do processo de aprendizagem (Negroponte, Lévy, De Rosnay, Rheingold).
Como vimos essas posturas não são novas, mas fruto do desenvolvimento da tecnologia e de seu imaginário nas sociedades avançadas. Por um lado os neo-luddites que insistem em regular e manter sob controle social as novas tecnologias, alertando contra o seu potencial destruidor (da sociedade, do homem e da natureza). Por outro, os tecno-utópicos que tentam mostrar como as novas tecnologias criam possibilidades inusitadas para a humanidade, sendo uma espécie de panacéia contra os males da tecnocracia moderna.
O neo-luddismo é inspirado no movimento Luddites dos operários ingleses do século XIX que protestavam e quebravam máquinas em plena revolução industrial com medo de perderem seus empregos, a partir da liderança de Ned Ludd (que deu nome ao movimento), "a revolta dos luddites tornou-se exemplo legendário de um movimento anti-tecnológico "[2]. O movimento começou em Nottingham em 1811 e se espalhou pelas fabricas de Yorkshire e Lancashire continuando até 1816 quando começou a enfraquecer. Hoje eles estão presentes na Internet com o intuito de desacelerar os ritmos da informatização da sociedade alertando contra os malefícios da cibercultura[3]. Um dos expoentes é o pensador francês Paul Virilio que, entre outros livros, publicou um de entrevistas com o sintomático título de "Cybermonde. La Politique du Pire"[4]. No site dos luddites on-line encontramos essa introdução[5]:
"Do you loathe computers? Does advanced industrial society really annoy you? Looking for a bike lane on the information superhighway? Luddites On-Line is the only place in cyberspace devoted exclusively to luddites, technophobes and other refugees from the Information Revolution. Our user-friendly graphic interface allows you to discuss strategies for undermining the growing cybourgeoisie and explore luddite-related links on the hated Internet. We even have t-shirts (printed by hand of course). Feeling like roadkill on the infobahn? Tune in, turn off and click here.
Os tecno-utópicos, embora não reivindicando o rótulo, são tidos como aqueles intelectuais para os quais as novas tecnologias representam um novo patamar no desenvolvimento tecnológico do Ocidente, abrindo possibilidades até então inexistentes de comunicação não massificada, de acesso hipertextual à informação e de criação de coletivos inteligentes. Para os tecno-utópicos, as novas tecnologias de comunicação (digital, multimodal e imediata)[6] causam uma reestruturação das estruturas de poder vigentes (mediático, político, social), descentralizando-o. Não é a toa que Negroponte clama por uma "Vida Digital"[7] e Pierre Lévy por uma "Inteligência Coletiva"[8].
Tecno-realismo.
"As technorealists, we seek to expand the fertile middle ground between techno-utopianism and neo-Luddism. We are technology "critics" in the same way, and for the same reasons, that others are food critics, art critics, or literary critics. We can be passionately optimistic about some technologies, skeptical and disdainful of others. Still, our goal is neither to champion nor dismiss technology, but rather to understand it and apply it in a manner more consistent with basic human values.
Manifesto Tecnorealista
O movimento tecnorealista surge nos EUA com o objetivo de encontrar o caminho do meio, alternativo tanto à tecno-utópicos como à neo-luddites. O movimento foi criado 12 de março de 1998 a partir de um encontro de 12 escritores e intelectuais no Bistrô Les Deux Gamins, no Greenwich Village em Nova York. Entre os fundadores estão David Bennahum (Wired, Spin), Brooke Shelby Biggs, Paulina Borsook (autor de "Cyberselfish"), Marisa Bowe, Simson Garfinkel, Steven Johnson (Feed), Douglas Rushkoff (autor de "Cyberia"), Andrew Shapiro (Harvard Law School), David Shenk (autor de "Data Smog"), Steve Silberman, Mark Stahlman e Stefanie Syman (Feed).
O movimento foi criado a partir de um documento proposto por Shapiro, Shenk e Johnson[9]. Hoje o movimento tem um site na Internet (www.technorealism.org), uma lista de discussão (getreal-l[10]) e mais de 1500 assinantes. O movimento tecnorealista, através do seu manifesto, expõe sua visão sobre a cultura tecnológica contemporânea e define sua posição:
"the heart of the technorealist approach involves a continuous critical examination of how technologies -- whether cutting-edge or mundane -- might help or hinder us in the struggle to improve the quality of our personal lives, our communities, and our economic, social, and political structures. In this heady age of rapid technological change, we all struggle to maintain our bearings. The developments that unfold each day in communications and computing can be thrilling and disorienting. One understandable reaction is to wonder: Are these changes good or bad? Should we welcome or fear them? The answer is both. Technology is making life more convenient and enjoyable, and many of us healthier, wealthier, and wiser. But it is also affecting work, family, and the economy in unpredictable ways, introducing new forms of tension and distraction, and posing new threats to the cohesion of our physical communities." [11]
O manifesto tem oito pontos assim explicitados[12]:
1. A tecnologia não é neutra. "Uma grande incompreensão de nosso tempo é a idéia de que as tecnologias estão completamente livre de influências - porque são artefatos inanimados, elas não promovem certos tipos de comportamentos em detrimento de outros. Em verdade, as tecnologias seguem de maneira intencional ou não intencional as inclinações sociais, políticas, e econômicas. Toda ferramenta proporciona para seus usuários uma maneira particular de ver o mundo e caminhos específicos de interação com o outro. É importante para cada um de nós considerar as influências das várias tecnologias e procurar aquelas que refletem nossos valores e aspirações".
2. A Internet é revolucionária, mas não utópica. "A Rede é uma ferramenta de comunicação extraordinária que provê oportunidades novas para pessoas, comunidades, negócios e governo. Como o ciberespaço se torna mais povoado a cada dia, ele assemelha-se a uma grande sociedade em toda sua complexidade. Para todo aspecto potencializador e iluminador da Rede, haverá também dimensões que são maliciosas, perversas, ou bastante ordinárias".
3. O Governo tem um papel importante na fronteira eletrônica. "Ao contrário de algumas reivindicações, o ciberespaço não é formalmente um lugar ou jurisdição separada da Terra. Os governos deveriam respeitar as regras que surgiram no ciberespaço, eles não deveriam abafar este mundo novo com regulamentos ineficientes ou censura; é tolo dizer que o público não tem nenhuma soberania em relação ao que um cidadão errante ou uma corporação fraudulenta faz on-line. Como representante das pessoas e o guardião de valores democráticos, o Estado tem o direito e a responsabilidade de ajudar a integrar o ciberespaço à sociedade convencional. As inovações tecnológicas e as questões de privacidade, por exemplo, são muito importantes para serem regidas apenas pelas forças do mercado. As empresas de software têm pouco interesse em preservar padrões abertos que são essenciais para que uma rede interativa funcione. Os mercados encorajam a inovação, mas eles não necessariamente asseguram o interesse público".
4. Informação não é conhecimento. "Ao redor de nós, a informação está se movendo mais rapidamente e está ficando mais barato adquiri-la, e os benefícios são manifestos. Isso dito, a proliferação de dados também é um sério desafio e requer novas medidas de disciplina humana e ceticismo. Nós não devemos confundir a excitação em adquirir ou distribuir rapidamente a informação com a tarefa mais assustadora de converter isto em conhecimento e sabedoria. Embora com o avanço dos nossos computadores, nós nunca deveríamos usa-los como um substituto das nossas próprias habilidades cognitivas básicas de consciência, percepção, argumentação e julgamento".
5. Interligar as escolas não as salvarão. "Os problemas com as escolas públicas da América --fundos disparatados, promoção social, classe inchadas, infra-estrutura deficiente, falta de padrões-- não tem quase nada a ver com a tecnologia. Por conseguinte, nenhum aporte de tecnologia conduzirá à revolução educacional profetizada por Presidente Clinton e outros. A arte de ensino não pode ser reproduzida por computadores, a Rede, ou por ´educação à distância´. Estas ferramentas já podem, claro, potencializar experiências educacionais de alta qualidade. Mas confiar nelas como qualquer tipo de panacéia seria um engano".
6. A Informação quer ser protegida. "É verdade que ciberespaço e outros recentes desenvolvimentos estão desafiando nossas leis de proteção aos direitos autorais e à propriedade intelectual. A resposta, entretanto, é não esmagar os estatutos e princípios existentes. Ao invés, nós temos que atualizar leis e interpretações antigas de forma que a informação receba a mesma proteção que existem no contexto das velhas mídias. A meta é a mesma: dar para os autores controle suficiente sobre o trabalho deles de forma que eles tenham incentivo para criar, mantendo o direito do público para fazer livre uso daquela informação. Em nenhum contexto a informação quer 'ser livre'. Ela precisa de ser protegida".
7. O público possui as ondas aéreas. "O público deveria beneficiar-se do seu uso. A recente abertura do espectro digital deu margem para o corrupto e ineficiente abuso dos recursos públicos na arena da tecnologia. O cidadão, de forma coletiva, deveria beneficiar-se do uso de freqüências públicas e deveria reter uma porção do espectro para acesso público a usos educacionais, culturais. Nós deveríamos exigir mais uso privado da propriedade pública."
8. Compreender a tecnologia deveria ser um componente essencial de cidadania global. "Em um mundo dirigido pelo fluxo de informação, as interfaces--e o código subjacente--que faz a informação visível está se tornando uma enorme e poderosa força social. Entender as forças e limitações e até mesmo participar na criação de ferramentas melhores, deveria ser uma parte importante na constituição de um cidadão envolvido. Estas ferramentas afetam nossas vidas tanto quanto as leis e nós deveríamos sujeita-las a um mesmo escrutínio democrático".
Realistas?
A partir dos oito pontos várias reações surgiram no ciberespaço como o site do "tecnosentimentalismo"[13], que faz uma paródia do movimento clamando não por um tecnorealismo mas por tecnosentimentalismo, ou o artigo "tecnosurrealismo"[14] de R.U.Sirius, editor da revista californiana (cyberpunk) Mondo 2000, tentando mostra o delírio da imposição do realismo. Vamos voltar mais tarde a esse ponto.
O que pretendemos aqui é fazer uma análise crítica do movimento a partir de suas premissas básicas e dos oito pontos explicitados no seu manifesto[15]. O que alguns críticos vão reter dessa proposta é algo próximo do que diz Gunn: "nós somos críticos da tecnologia, da mesma maneira e pelas mesmas razões que outros são críticos gastronômicos, críticos de arte ou críticos literários."[16]
Poderíamos começar nossa análise explorando o próprio nome do movimento: tecnorealismo. Várias questões emergem: em meio à falência das ideologias (os meta-relatos da modernidade) será possível sustentar mais um "ismo"? Numa época de profundas transformações e incertezas será possível atingir a "realidade" das coisas, ainda mais levando em conta as rápidas metamorfoses do fenômeno técnico? Os tecnorealistas parecem dizer que sim ao querer instaurar um "racionalismo realista" com pretensão à criar o consenso, na herança do pensamento crítico frankfurtiano. A questão aqui é epistemológica: será possível instaurar um novo projeto racionalista em meio a uma contemporaneidade em que o real há muito deixou de ser uma evidência em vários campos (da física à biologia, das mídias de massa à realidade virtual...)? Será possível instaurar o consenso? Nesse sentido, não seria o movimento tecnorealista um resgate da perspectiva moderna ("crítica"), tentando dar um ponto final a essa suposta infantilidade que é ser simplesmente contra ou a favor?
Para responder a isso o movimento tecnorealista argumenta: "...o debate sobre a tecnologia tem sido dominado por vozes extremistas, um novo, mais balanceado consenso tem se configurado. Este documento busca articular algumas das crenças compartilhadas por detrás do consenso, o que temos chamado de tecnorealismo"[17]. Vejamos então os oito pontos do manifesto.
Em primeiro lugar é bom deixar claro que embora o movimento se pretenda planetário (e não é a toa que ele se propaga via Internet) ele é nitidamente americano. A questão da educação (ponto 5) é uma resposta explícita à política americana de interligar todas as escolas e bibliotecas à Internet. Os oito princípios revelam também apenas o óbvio e tanto utópicos como Luddites poderiam estar de acordo com quase todos eles.
Que a "tecnologia não é neutra" todos sabemos. Esse alerta foi dado há algumas décadas por pensadores como Ellul, Mumford, Elias, Habermas, entre outros. Tanto utópicos como pessimistas estão de acordo sobre esse princípio, sendo as conclusões daí derivadas divergentes. Para uns a apropriação social resolve essa não neutralidade, para outros ela é fonte de poder e controle.
Dizendo que a "Internet é revolucionária mas não utópica" os tecnorealistas afirmam que as novas tecnologias estão mudando a nossa maneira de ver e estar no mundo, mas que em si elas não são utópicas. Ora, o revolucionário é a essência mesma da utopia. A utopia depois de Thomas More é o "não lugar" inalcançável, imprevisto, ou "o" lugar, o destino último. Fundamentalmente a Internet é utópica justamente por ser revolucionária. Mas parece evidente que os realistas estão chamando a atenção ao fato de não ser possível insistir que apenas uma mudança de cunho tecnológico (o ciberespaço) possa resolver problemas crônicos da sociedade.
A questão da técnica é desde sempre uma questão social. Que os "governos tenham um papel importante na fronteira eletrônica" nos parece o mais óbvio e o mais unanime dos argumentos. Tanto utópicos como pessimistas têm plena consciência desse fato. Uns lutam por regulamentações (censura, controle, normas, leis) outros pela não intervenção total e pela regulação socialmente sustentada, além da garantia de acesso amplo e irrestrito às tecnologias da cibercultura.
O quarto ponto do manifesto chama a atenção para que não confundamos informação com conhecimento. Mais uma vez, esse argumento faz unanimidade. Os pessimistas sabem disso ao afirmar que o que existe no ciberespaço é uma mera circulação de informações, sem necessariamente trazer um conhecimento articulado sobre um determinado assunto. Os otimistas diriam que no ciberespaço estão as informações, antes privilégios de poucos, disponíveis à todos que, de agora em diante, teriam a possibilidade de reuni-las a partir de caminhos próprios (hiperlinks), construindo um conhecimento autônomo. Tanto na crítica como na exaltação do excesso de informação, o que está explicito é o reconhecimento de que a informação não é conhecimento.
Da mesma maneira que a informação não é conhecimento, a simples ampliação do fluxo informativo não garante melhoria na educação. Esse é o argumento do quinto ponto, que parece também não ser muito divergente entre apocalípticos e integrados. Os pessimistas vêem com razão a informatização da educação apenas como uma investida de marketing que atinge hoje várias escolas e universidades. Estas, na maioria das vezes, contentam-se em dispor equipamentos de acesso a Internet como um forma de modernização, sem necessariamente causar alguma melhoria das condições de ensino, não se preocupando com aspectos pedagógicos ou treinamentos de professores. Por outro lado os otimistas têm consciência de que interligar escolas não vai salvá-las, mas que é fundamental que uma escola aproveite o manancial disponível hoje na Internet.
O sexto ponto do manifesto é o mais polêmico e ao mesmo tempo o mais conservador. Diferente da atitude cyberpunk que marcou o inicio da micro-informática e do ciberespaço, pregando que "toda informação deve ser livre", os tecnorealistas buscam proteger a informação ("a informação deve ser controlada"). A máxima cyberpunk nos parece muito mais arrojada, projetiva e crítica do que a máxima tecnorealista. Os realistas estão preocupados, com justeza, com questões como copyright, privacidade e segurança das trocas de informação. Mas da mesma forma estão também os pessimistas. O que torna o ciberespaço um fenômeno social é a disponibilidade dos internautas em fornecer livremente informações as mais diversas, seja em listas, e-mail, grupos de discussão ou paginas Web. O que mantém vivo o ciberespaço é a informação que circula livremente e não a informação controlada. A generalidade da argumentação a torna inócua (é claro que devem existir informações livres e controladas).
O sétimo ponto também não traz discórdias entre utópicos ou pessimistas. Ele afirma que o público possui as ondas aéreas e que devem utilizá-las em seu benefício com atividades educacionais, culturais e afins. Em Technologies of Freedom[18], Ithel de Sola Pool mostra como a utilização de emissões por ondas aéreas ou terrestre depende da tecnologia e da estrutura social que a organiza. Não há nada de radical ou inovador nesse ponto. O mesmo poderia ser dito do último ponto do manifesto que afirma que "entender a tecnologia é um componente essencial da cidadania global". Quem poderia negar essa afirmação?
Tanto neo-luddites como tecno-utópicos fazem coro nesse ponto. Os primeiros vão afirmar que a tecnologia é importante, mas que pode estar atrofiando a dimensão pública e política ao isolar cidadãos que, de agora em diante, apenas comutam informações binarias entre si. Já os tecno-utópicos vão afirmar que o ciberespaço pode proporcionar aos cidadãos uma nova espécie de "agora-eletrônica", um espaço para formação comunitária e criação de coletivos inteligentes, distribuindo e potencializando novas formas de organização social. Vemos assim que não é nenhuma novidade (ou radicalidade) reconhecer que a relação entre as novas tecnologias e a vida social são fundamentais para o exercício da cidadania.
Podemos dizer que o movimento tecnorealista afirma em seus oito princípios apenas obviedades que não necessariamente o diferencia de utópicos ou pessimistas. Ele tenta chamar atenção para si mesmo, criando mais um "ismo" e tentando resolver a dualidade dos que acham tudo bom ou tudo ruim (não teríamos o direito de amar ou odiar a tecnologia?), numa perspectiva meramente elitista, como mostra Katz[19].
O tecno-realismo parece ser assim uma ideologia de tipo moderno que desacredita seus opostos (rapidamente tachados de otimistas ou pessimistas) como excessivos, forcando-os a entrar na realidade das coisas, de ver o real impacto da tecnologia digital na cultura contemporânea. Como mostra Gunn, os tecnorealistas querem dirigir os debates, aparar arestas e instaurar a hegemonia[20].
O tecno-realismo rejeita assim o visionário e a desmesura, desabonando opiniões divergentes, neutralizando-as no suposto excesso retórico. Como mostram alguns autores, o tecno-realismo é um movimento próximo do legal realism de 1900 nos EUA que pretendeu desenvolver um pensamento crítico em relação ao mercado. A máxima parece ser: "minha argumentação é realista, logo ela é racional, neutra, objetiva, diferente dessas outras excessivamente utópicas ou pessimistas". É interessante notar ainda que autores como Shapiro, Borsook ou Sparkman, criadores do movimento, parecem em seus textos muito próximos dos neo-luddites.
Shapiro vai afirmar o caráter não necessariamente democrático da rede e insiste em dizer que esquecemos a riqueza do face a face; Paulina Borsook mostra os problemas do copyright e vai afirmar que a arte eletrônica é plagiarismo; e R. Sparkman vai questionar o papel do computador na escola dizendo que com ele não há revolução na educação. Assim, parece que o movimento tecnorealista foi formado por "neo-luddites reformados" que, sem querer aderir à crítica radical, mas reconhecendo certos benefícios das novas tecnologias, pretendem-se hoje realistas. Isso beira o tecnosurrealismo.
Tecnosurrealismo.
Contrapondo à euforia tecnorealista, R.U. Sirius (que se pronuncia "are you sirius", ou "você é sério") editor da revista Mondo 2000 e cyberpunk convicto, propõe que a cibercultura já passou quatro fases, chegando agora à tecnosurrealista. A primeira fase é conhecida como "Nerdismo Puro", que durou de 1976 à 1988 e caracterizou-se por uma sub-cultura da informática que pregava que toda informação deve ser livre, que o ciberespaço é de todos e que os computadores devem ser acessíveis e de fácil utilização. A segunda é a "Tecno-anarquista", de 1989 à 1992, fase do amadurecimento do ciberespaço e da celebração do caráter rizomático e anárquico da rede. É a época do apogeu da revista Mondo 2000[21]. A terceira fase caracteriza-se pelo "Tecno-liberalismo", tendo como expoente a revista Wired[22], mostrando a força dos conglomerados do capitalismo pós-industrial e a entrada da Internet na era do comercio eletrônico (e-commerce, e-business, e-money).
Usando da sagacidade e ironia que lhe é particular, Sirius sustenta que a quarta fase da cibercultura é a do tecnorealismo, já superada (durou apenas uma semana: de 12 à 19 de março de 1998). Para Sirius todo realismo sem imaginação é mero reducionismo. E é preciso muito imaginação para viver num fluxo de informação caótico que supera em muito nossa capacidade de entendimento. Não existe assim tecnorealismo, já que não é possível, em meio a essa explosão da informação, a existência de um consenso sobre qual o método real, objetivo, imparcial de conhecermos nossa realidade socio-técnica. O tecnorealismo nasceu e morreu (ou já nasceu morto?) pelo desejo impossível de um pequeno grupo da inteligência norte-americana de encontrar, no entendimento dos impactos tecnológicos, um norte em uma época hiperbólica, uma linearidade em uma época hipertextual. Fundam uma espécie de "tecnopomposidade", como mostra Katz[23]. No fundo o problema, como afirma Sirius, não está na escolha legítima entre ser um otimista ou um pessimista. O real problema da cibercultura está no tecnosurrealismo dos que acreditam em tudo e dos que não acreditam em nada.
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"Your idea is crazy, but it isn't crazy enough to be true"
Neils Bohr
O imaginário da cibercultura é permeado por uma polarização que persegue a questão da técnica desde os tempos imemoriais: medo e fascinação. O que vemos hoje, com o desenvolvimento da cibercultura (Internet, realidade virtual, cyborgs, hipertextos, etc.), é o acirramento da querela entre o que Umberto Eco chamou de apocalípticos e integrados[1]. O que surge nesse final de milênio é a radicalização dos debates intelectuais sobre a cibercultura entre aqueles que são taxados de neo-luddites (contra a euforia tecnológica) e os que são chamados de tecno-utópicos (promotores dessa mesma euforia).
Com o objetivo de esgotar a querela e instaurar o consenso, um grupo de intelectuais americanos criou, em março de 1998, uma corrente de pensamento e posicionamento em relação à tecnologia batizada de "Tecnorealismo"; uma espécie de movimento intelectual pelo bom senso e pela frieza nas observações e análises sobre a cultura tecnológica contemporânea. Nem luddites (pessimistas-apocalípticos) nem utópicos (otimistas-integrados), os tecnorealistas, como o nome expressa, pretendem-se realistas (?), sendo a voz da razão, da objetividade e, mais do que isso, da neutralidade. Eles buscam encontrar a posição do meio, plantar-se no centro do debate sobre os impactos sociais das novas tecnologias de comunicação instaurando (impondo?) o consenso. Mais do que nunca a questão da técnica emerge dessa mistura esquizofrênica de amor e ódio.
Vamos tratar aqui da polarização do imaginário social da técnica contemporânea, tentando mostrar que o movimento tecnorealista não passa de uma cruzada contra as posições extremadas de otimistas e pessimistas, buscando a via racional da cibercultura. Nesse sentido, talvez estejamos mais próximos de um tecnosurrealismo (R.U.Sirius) do que da unanimidade da visão tecnorealista. Como vimos na pequena digressão histórica dos primeiros capítulos (necessária para compreendermos a origem dessa tensão), essa polarização não é um fato novo na história da técnica.
Neo-luddismo e Tecno-utopia.
A cibercultura contemporânea vai acirrar a ambigüidade ancestral que está na origem do fenômeno técnico. Estamos hoje no fogo cruzado entre intelectuais que associam uma postura "crítica" com uma visão negativa da tecnologia (por exemplo Virilio, Baudrillard, Shapiro, Postman) e aqueles ditos utópicos, que vêem nas novas tecnologias um enorme potencial emancipatório, fonte de criação de inteligentes coletivos, de resgate comunitário e de enriquecimento do processo de aprendizagem (Negroponte, Lévy, De Rosnay, Rheingold).
Como vimos essas posturas não são novas, mas fruto do desenvolvimento da tecnologia e de seu imaginário nas sociedades avançadas. Por um lado os neo-luddites que insistem em regular e manter sob controle social as novas tecnologias, alertando contra o seu potencial destruidor (da sociedade, do homem e da natureza). Por outro, os tecno-utópicos que tentam mostrar como as novas tecnologias criam possibilidades inusitadas para a humanidade, sendo uma espécie de panacéia contra os males da tecnocracia moderna.
O neo-luddismo é inspirado no movimento Luddites dos operários ingleses do século XIX que protestavam e quebravam máquinas em plena revolução industrial com medo de perderem seus empregos, a partir da liderança de Ned Ludd (que deu nome ao movimento), "a revolta dos luddites tornou-se exemplo legendário de um movimento anti-tecnológico "[2]. O movimento começou em Nottingham em 1811 e se espalhou pelas fabricas de Yorkshire e Lancashire continuando até 1816 quando começou a enfraquecer. Hoje eles estão presentes na Internet com o intuito de desacelerar os ritmos da informatização da sociedade alertando contra os malefícios da cibercultura[3]. Um dos expoentes é o pensador francês Paul Virilio que, entre outros livros, publicou um de entrevistas com o sintomático título de "Cybermonde. La Politique du Pire"[4]. No site dos luddites on-line encontramos essa introdução[5]:
"Do you loathe computers? Does advanced industrial society really annoy you? Looking for a bike lane on the information superhighway? Luddites On-Line is the only place in cyberspace devoted exclusively to luddites, technophobes and other refugees from the Information Revolution. Our user-friendly graphic interface allows you to discuss strategies for undermining the growing cybourgeoisie and explore luddite-related links on the hated Internet. We even have t-shirts (printed by hand of course). Feeling like roadkill on the infobahn? Tune in, turn off and click here.
Os tecno-utópicos, embora não reivindicando o rótulo, são tidos como aqueles intelectuais para os quais as novas tecnologias representam um novo patamar no desenvolvimento tecnológico do Ocidente, abrindo possibilidades até então inexistentes de comunicação não massificada, de acesso hipertextual à informação e de criação de coletivos inteligentes. Para os tecno-utópicos, as novas tecnologias de comunicação (digital, multimodal e imediata)[6] causam uma reestruturação das estruturas de poder vigentes (mediático, político, social), descentralizando-o. Não é a toa que Negroponte clama por uma "Vida Digital"[7] e Pierre Lévy por uma "Inteligência Coletiva"[8].
Tecno-realismo.
"As technorealists, we seek to expand the fertile middle ground between techno-utopianism and neo-Luddism. We are technology "critics" in the same way, and for the same reasons, that others are food critics, art critics, or literary critics. We can be passionately optimistic about some technologies, skeptical and disdainful of others. Still, our goal is neither to champion nor dismiss technology, but rather to understand it and apply it in a manner more consistent with basic human values.
Manifesto Tecnorealista
O movimento tecnorealista surge nos EUA com o objetivo de encontrar o caminho do meio, alternativo tanto à tecno-utópicos como à neo-luddites. O movimento foi criado 12 de março de 1998 a partir de um encontro de 12 escritores e intelectuais no Bistrô Les Deux Gamins, no Greenwich Village em Nova York. Entre os fundadores estão David Bennahum (Wired, Spin), Brooke Shelby Biggs, Paulina Borsook (autor de "Cyberselfish"), Marisa Bowe, Simson Garfinkel, Steven Johnson (Feed), Douglas Rushkoff (autor de "Cyberia"), Andrew Shapiro (Harvard Law School), David Shenk (autor de "Data Smog"), Steve Silberman, Mark Stahlman e Stefanie Syman (Feed).
O movimento foi criado a partir de um documento proposto por Shapiro, Shenk e Johnson[9]. Hoje o movimento tem um site na Internet (www.technorealism.org), uma lista de discussão (getreal-l[10]) e mais de 1500 assinantes. O movimento tecnorealista, através do seu manifesto, expõe sua visão sobre a cultura tecnológica contemporânea e define sua posição:
"the heart of the technorealist approach involves a continuous critical examination of how technologies -- whether cutting-edge or mundane -- might help or hinder us in the struggle to improve the quality of our personal lives, our communities, and our economic, social, and political structures. In this heady age of rapid technological change, we all struggle to maintain our bearings. The developments that unfold each day in communications and computing can be thrilling and disorienting. One understandable reaction is to wonder: Are these changes good or bad? Should we welcome or fear them? The answer is both. Technology is making life more convenient and enjoyable, and many of us healthier, wealthier, and wiser. But it is also affecting work, family, and the economy in unpredictable ways, introducing new forms of tension and distraction, and posing new threats to the cohesion of our physical communities." [11]
O manifesto tem oito pontos assim explicitados[12]:
1. A tecnologia não é neutra. "Uma grande incompreensão de nosso tempo é a idéia de que as tecnologias estão completamente livre de influências - porque são artefatos inanimados, elas não promovem certos tipos de comportamentos em detrimento de outros. Em verdade, as tecnologias seguem de maneira intencional ou não intencional as inclinações sociais, políticas, e econômicas. Toda ferramenta proporciona para seus usuários uma maneira particular de ver o mundo e caminhos específicos de interação com o outro. É importante para cada um de nós considerar as influências das várias tecnologias e procurar aquelas que refletem nossos valores e aspirações".
2. A Internet é revolucionária, mas não utópica. "A Rede é uma ferramenta de comunicação extraordinária que provê oportunidades novas para pessoas, comunidades, negócios e governo. Como o ciberespaço se torna mais povoado a cada dia, ele assemelha-se a uma grande sociedade em toda sua complexidade. Para todo aspecto potencializador e iluminador da Rede, haverá também dimensões que são maliciosas, perversas, ou bastante ordinárias".
3. O Governo tem um papel importante na fronteira eletrônica. "Ao contrário de algumas reivindicações, o ciberespaço não é formalmente um lugar ou jurisdição separada da Terra. Os governos deveriam respeitar as regras que surgiram no ciberespaço, eles não deveriam abafar este mundo novo com regulamentos ineficientes ou censura; é tolo dizer que o público não tem nenhuma soberania em relação ao que um cidadão errante ou uma corporação fraudulenta faz on-line. Como representante das pessoas e o guardião de valores democráticos, o Estado tem o direito e a responsabilidade de ajudar a integrar o ciberespaço à sociedade convencional. As inovações tecnológicas e as questões de privacidade, por exemplo, são muito importantes para serem regidas apenas pelas forças do mercado. As empresas de software têm pouco interesse em preservar padrões abertos que são essenciais para que uma rede interativa funcione. Os mercados encorajam a inovação, mas eles não necessariamente asseguram o interesse público".
4. Informação não é conhecimento. "Ao redor de nós, a informação está se movendo mais rapidamente e está ficando mais barato adquiri-la, e os benefícios são manifestos. Isso dito, a proliferação de dados também é um sério desafio e requer novas medidas de disciplina humana e ceticismo. Nós não devemos confundir a excitação em adquirir ou distribuir rapidamente a informação com a tarefa mais assustadora de converter isto em conhecimento e sabedoria. Embora com o avanço dos nossos computadores, nós nunca deveríamos usa-los como um substituto das nossas próprias habilidades cognitivas básicas de consciência, percepção, argumentação e julgamento".
5. Interligar as escolas não as salvarão. "Os problemas com as escolas públicas da América --fundos disparatados, promoção social, classe inchadas, infra-estrutura deficiente, falta de padrões-- não tem quase nada a ver com a tecnologia. Por conseguinte, nenhum aporte de tecnologia conduzirá à revolução educacional profetizada por Presidente Clinton e outros. A arte de ensino não pode ser reproduzida por computadores, a Rede, ou por ´educação à distância´. Estas ferramentas já podem, claro, potencializar experiências educacionais de alta qualidade. Mas confiar nelas como qualquer tipo de panacéia seria um engano".
6. A Informação quer ser protegida. "É verdade que ciberespaço e outros recentes desenvolvimentos estão desafiando nossas leis de proteção aos direitos autorais e à propriedade intelectual. A resposta, entretanto, é não esmagar os estatutos e princípios existentes. Ao invés, nós temos que atualizar leis e interpretações antigas de forma que a informação receba a mesma proteção que existem no contexto das velhas mídias. A meta é a mesma: dar para os autores controle suficiente sobre o trabalho deles de forma que eles tenham incentivo para criar, mantendo o direito do público para fazer livre uso daquela informação. Em nenhum contexto a informação quer 'ser livre'. Ela precisa de ser protegida".
7. O público possui as ondas aéreas. "O público deveria beneficiar-se do seu uso. A recente abertura do espectro digital deu margem para o corrupto e ineficiente abuso dos recursos públicos na arena da tecnologia. O cidadão, de forma coletiva, deveria beneficiar-se do uso de freqüências públicas e deveria reter uma porção do espectro para acesso público a usos educacionais, culturais. Nós deveríamos exigir mais uso privado da propriedade pública."
8. Compreender a tecnologia deveria ser um componente essencial de cidadania global. "Em um mundo dirigido pelo fluxo de informação, as interfaces--e o código subjacente--que faz a informação visível está se tornando uma enorme e poderosa força social. Entender as forças e limitações e até mesmo participar na criação de ferramentas melhores, deveria ser uma parte importante na constituição de um cidadão envolvido. Estas ferramentas afetam nossas vidas tanto quanto as leis e nós deveríamos sujeita-las a um mesmo escrutínio democrático".
Realistas?
A partir dos oito pontos várias reações surgiram no ciberespaço como o site do "tecnosentimentalismo"[13], que faz uma paródia do movimento clamando não por um tecnorealismo mas por tecnosentimentalismo, ou o artigo "tecnosurrealismo"[14] de R.U.Sirius, editor da revista californiana (cyberpunk) Mondo 2000, tentando mostra o delírio da imposição do realismo. Vamos voltar mais tarde a esse ponto.
O que pretendemos aqui é fazer uma análise crítica do movimento a partir de suas premissas básicas e dos oito pontos explicitados no seu manifesto[15]. O que alguns críticos vão reter dessa proposta é algo próximo do que diz Gunn: "nós somos críticos da tecnologia, da mesma maneira e pelas mesmas razões que outros são críticos gastronômicos, críticos de arte ou críticos literários."[16]
Poderíamos começar nossa análise explorando o próprio nome do movimento: tecnorealismo. Várias questões emergem: em meio à falência das ideologias (os meta-relatos da modernidade) será possível sustentar mais um "ismo"? Numa época de profundas transformações e incertezas será possível atingir a "realidade" das coisas, ainda mais levando em conta as rápidas metamorfoses do fenômeno técnico? Os tecnorealistas parecem dizer que sim ao querer instaurar um "racionalismo realista" com pretensão à criar o consenso, na herança do pensamento crítico frankfurtiano. A questão aqui é epistemológica: será possível instaurar um novo projeto racionalista em meio a uma contemporaneidade em que o real há muito deixou de ser uma evidência em vários campos (da física à biologia, das mídias de massa à realidade virtual...)? Será possível instaurar o consenso? Nesse sentido, não seria o movimento tecnorealista um resgate da perspectiva moderna ("crítica"), tentando dar um ponto final a essa suposta infantilidade que é ser simplesmente contra ou a favor?
Para responder a isso o movimento tecnorealista argumenta: "...o debate sobre a tecnologia tem sido dominado por vozes extremistas, um novo, mais balanceado consenso tem se configurado. Este documento busca articular algumas das crenças compartilhadas por detrás do consenso, o que temos chamado de tecnorealismo"[17]. Vejamos então os oito pontos do manifesto.
Em primeiro lugar é bom deixar claro que embora o movimento se pretenda planetário (e não é a toa que ele se propaga via Internet) ele é nitidamente americano. A questão da educação (ponto 5) é uma resposta explícita à política americana de interligar todas as escolas e bibliotecas à Internet. Os oito princípios revelam também apenas o óbvio e tanto utópicos como Luddites poderiam estar de acordo com quase todos eles.
Que a "tecnologia não é neutra" todos sabemos. Esse alerta foi dado há algumas décadas por pensadores como Ellul, Mumford, Elias, Habermas, entre outros. Tanto utópicos como pessimistas estão de acordo sobre esse princípio, sendo as conclusões daí derivadas divergentes. Para uns a apropriação social resolve essa não neutralidade, para outros ela é fonte de poder e controle.
Dizendo que a "Internet é revolucionária mas não utópica" os tecnorealistas afirmam que as novas tecnologias estão mudando a nossa maneira de ver e estar no mundo, mas que em si elas não são utópicas. Ora, o revolucionário é a essência mesma da utopia. A utopia depois de Thomas More é o "não lugar" inalcançável, imprevisto, ou "o" lugar, o destino último. Fundamentalmente a Internet é utópica justamente por ser revolucionária. Mas parece evidente que os realistas estão chamando a atenção ao fato de não ser possível insistir que apenas uma mudança de cunho tecnológico (o ciberespaço) possa resolver problemas crônicos da sociedade.
A questão da técnica é desde sempre uma questão social. Que os "governos tenham um papel importante na fronteira eletrônica" nos parece o mais óbvio e o mais unanime dos argumentos. Tanto utópicos como pessimistas têm plena consciência desse fato. Uns lutam por regulamentações (censura, controle, normas, leis) outros pela não intervenção total e pela regulação socialmente sustentada, além da garantia de acesso amplo e irrestrito às tecnologias da cibercultura.
O quarto ponto do manifesto chama a atenção para que não confundamos informação com conhecimento. Mais uma vez, esse argumento faz unanimidade. Os pessimistas sabem disso ao afirmar que o que existe no ciberespaço é uma mera circulação de informações, sem necessariamente trazer um conhecimento articulado sobre um determinado assunto. Os otimistas diriam que no ciberespaço estão as informações, antes privilégios de poucos, disponíveis à todos que, de agora em diante, teriam a possibilidade de reuni-las a partir de caminhos próprios (hiperlinks), construindo um conhecimento autônomo. Tanto na crítica como na exaltação do excesso de informação, o que está explicito é o reconhecimento de que a informação não é conhecimento.
Da mesma maneira que a informação não é conhecimento, a simples ampliação do fluxo informativo não garante melhoria na educação. Esse é o argumento do quinto ponto, que parece também não ser muito divergente entre apocalípticos e integrados. Os pessimistas vêem com razão a informatização da educação apenas como uma investida de marketing que atinge hoje várias escolas e universidades. Estas, na maioria das vezes, contentam-se em dispor equipamentos de acesso a Internet como um forma de modernização, sem necessariamente causar alguma melhoria das condições de ensino, não se preocupando com aspectos pedagógicos ou treinamentos de professores. Por outro lado os otimistas têm consciência de que interligar escolas não vai salvá-las, mas que é fundamental que uma escola aproveite o manancial disponível hoje na Internet.
O sexto ponto do manifesto é o mais polêmico e ao mesmo tempo o mais conservador. Diferente da atitude cyberpunk que marcou o inicio da micro-informática e do ciberespaço, pregando que "toda informação deve ser livre", os tecnorealistas buscam proteger a informação ("a informação deve ser controlada"). A máxima cyberpunk nos parece muito mais arrojada, projetiva e crítica do que a máxima tecnorealista. Os realistas estão preocupados, com justeza, com questões como copyright, privacidade e segurança das trocas de informação. Mas da mesma forma estão também os pessimistas. O que torna o ciberespaço um fenômeno social é a disponibilidade dos internautas em fornecer livremente informações as mais diversas, seja em listas, e-mail, grupos de discussão ou paginas Web. O que mantém vivo o ciberespaço é a informação que circula livremente e não a informação controlada. A generalidade da argumentação a torna inócua (é claro que devem existir informações livres e controladas).
O sétimo ponto também não traz discórdias entre utópicos ou pessimistas. Ele afirma que o público possui as ondas aéreas e que devem utilizá-las em seu benefício com atividades educacionais, culturais e afins. Em Technologies of Freedom[18], Ithel de Sola Pool mostra como a utilização de emissões por ondas aéreas ou terrestre depende da tecnologia e da estrutura social que a organiza. Não há nada de radical ou inovador nesse ponto. O mesmo poderia ser dito do último ponto do manifesto que afirma que "entender a tecnologia é um componente essencial da cidadania global". Quem poderia negar essa afirmação?
Tanto neo-luddites como tecno-utópicos fazem coro nesse ponto. Os primeiros vão afirmar que a tecnologia é importante, mas que pode estar atrofiando a dimensão pública e política ao isolar cidadãos que, de agora em diante, apenas comutam informações binarias entre si. Já os tecno-utópicos vão afirmar que o ciberespaço pode proporcionar aos cidadãos uma nova espécie de "agora-eletrônica", um espaço para formação comunitária e criação de coletivos inteligentes, distribuindo e potencializando novas formas de organização social. Vemos assim que não é nenhuma novidade (ou radicalidade) reconhecer que a relação entre as novas tecnologias e a vida social são fundamentais para o exercício da cidadania.
Podemos dizer que o movimento tecnorealista afirma em seus oito princípios apenas obviedades que não necessariamente o diferencia de utópicos ou pessimistas. Ele tenta chamar atenção para si mesmo, criando mais um "ismo" e tentando resolver a dualidade dos que acham tudo bom ou tudo ruim (não teríamos o direito de amar ou odiar a tecnologia?), numa perspectiva meramente elitista, como mostra Katz[19].
O tecno-realismo parece ser assim uma ideologia de tipo moderno que desacredita seus opostos (rapidamente tachados de otimistas ou pessimistas) como excessivos, forcando-os a entrar na realidade das coisas, de ver o real impacto da tecnologia digital na cultura contemporânea. Como mostra Gunn, os tecnorealistas querem dirigir os debates, aparar arestas e instaurar a hegemonia[20].
O tecno-realismo rejeita assim o visionário e a desmesura, desabonando opiniões divergentes, neutralizando-as no suposto excesso retórico. Como mostram alguns autores, o tecno-realismo é um movimento próximo do legal realism de 1900 nos EUA que pretendeu desenvolver um pensamento crítico em relação ao mercado. A máxima parece ser: "minha argumentação é realista, logo ela é racional, neutra, objetiva, diferente dessas outras excessivamente utópicas ou pessimistas". É interessante notar ainda que autores como Shapiro, Borsook ou Sparkman, criadores do movimento, parecem em seus textos muito próximos dos neo-luddites.
Shapiro vai afirmar o caráter não necessariamente democrático da rede e insiste em dizer que esquecemos a riqueza do face a face; Paulina Borsook mostra os problemas do copyright e vai afirmar que a arte eletrônica é plagiarismo; e R. Sparkman vai questionar o papel do computador na escola dizendo que com ele não há revolução na educação. Assim, parece que o movimento tecnorealista foi formado por "neo-luddites reformados" que, sem querer aderir à crítica radical, mas reconhecendo certos benefícios das novas tecnologias, pretendem-se hoje realistas. Isso beira o tecnosurrealismo.
Tecnosurrealismo.
Contrapondo à euforia tecnorealista, R.U. Sirius (que se pronuncia "are you sirius", ou "você é sério") editor da revista Mondo 2000 e cyberpunk convicto, propõe que a cibercultura já passou quatro fases, chegando agora à tecnosurrealista. A primeira fase é conhecida como "Nerdismo Puro", que durou de 1976 à 1988 e caracterizou-se por uma sub-cultura da informática que pregava que toda informação deve ser livre, que o ciberespaço é de todos e que os computadores devem ser acessíveis e de fácil utilização. A segunda é a "Tecno-anarquista", de 1989 à 1992, fase do amadurecimento do ciberespaço e da celebração do caráter rizomático e anárquico da rede. É a época do apogeu da revista Mondo 2000[21]. A terceira fase caracteriza-se pelo "Tecno-liberalismo", tendo como expoente a revista Wired[22], mostrando a força dos conglomerados do capitalismo pós-industrial e a entrada da Internet na era do comercio eletrônico (e-commerce, e-business, e-money).
Usando da sagacidade e ironia que lhe é particular, Sirius sustenta que a quarta fase da cibercultura é a do tecnorealismo, já superada (durou apenas uma semana: de 12 à 19 de março de 1998). Para Sirius todo realismo sem imaginação é mero reducionismo. E é preciso muito imaginação para viver num fluxo de informação caótico que supera em muito nossa capacidade de entendimento. Não existe assim tecnorealismo, já que não é possível, em meio a essa explosão da informação, a existência de um consenso sobre qual o método real, objetivo, imparcial de conhecermos nossa realidade socio-técnica. O tecnorealismo nasceu e morreu (ou já nasceu morto?) pelo desejo impossível de um pequeno grupo da inteligência norte-americana de encontrar, no entendimento dos impactos tecnológicos, um norte em uma época hiperbólica, uma linearidade em uma época hipertextual. Fundam uma espécie de "tecnopomposidade", como mostra Katz[23]. No fundo o problema, como afirma Sirius, não está na escolha legítima entre ser um otimista ou um pessimista. O real problema da cibercultura está no tecnosurrealismo dos que acreditam em tudo e dos que não acreditam em nada.
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