exercício com verbalizações

exercício com verbalizações
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes nem a oração de cada instante. É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz,
o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco, pois o resto não nos pertence.
Cecilia Meireles

quinta-feira, 6 de março de 2008

Um assunto Pertinente ao Blogger

IMAGINÁRIO DA CIBERCULTURA. ENTRE NEO-LUDDISMO, TECNO-UTOPIA, TECNOREALISMO E TECNOSURREALISMO.
"Your idea is crazy, but it isn't crazy enough to be true"
Neils Bohr

O imaginário da cibercultura é permeado por uma polarização que persegue a questão da técnica desde os tempos imemoriais: medo e fascinação. O que vemos hoje, com o desenvolvimento da cibercultura (Internet, realidade virtual, cyborgs, hipertextos, etc.), é o acirramento da querela entre o que Umberto Eco chamou de apocalípticos e integrados[1]. O que surge nesse final de milênio é a radicalização dos debates intelectuais sobre a cibercultura entre aqueles que são taxados de neo-luddites (contra a euforia tecnológica) e os que são chamados de tecno-utópicos (promotores dessa mesma euforia).
Com o objetivo de esgotar a querela e instaurar o consenso, um grupo de intelectuais americanos criou, em março de 1998, uma corrente de pensamento e posicionamento em relação à tecnologia batizada de "Tecnorealismo"; uma espécie de movimento intelectual pelo bom senso e pela frieza nas observações e análises sobre a cultura tecnológica contemporânea. Nem luddites (pessimistas-apocalípticos) nem utópicos (otimistas-integrados), os tecnorealistas, como o nome expressa, pretendem-se realistas (?), sendo a voz da razão, da objetividade e, mais do que isso, da neutralidade. Eles buscam encontrar a posição do meio, plantar-se no centro do debate sobre os impactos sociais das novas tecnologias de comunicação instaurando (impondo?) o consenso. Mais do que nunca a questão da técnica emerge dessa mistura esquizofrênica de amor e ódio.
Vamos tratar aqui da polarização do imaginário social da técnica contemporânea, tentando mostrar que o movimento tecnorealista não passa de uma cruzada contra as posições extremadas de otimistas e pessimistas, buscando a via racional da cibercultura. Nesse sentido, talvez estejamos mais próximos de um tecnosurrealismo (R.U.Sirius) do que da unanimidade da visão tecnorealista. Como vimos na pequena digressão histórica dos primeiros capítulos (necessária para compreendermos a origem dessa tensão), essa polarização não é um fato novo na história da técnica.

Neo-luddismo e Tecno-utopia.
A cibercultura contemporânea vai acirrar a ambigüidade ancestral que está na origem do fenômeno técnico. Estamos hoje no fogo cruzado entre intelectuais que associam uma postura "crítica" com uma visão negativa da tecnologia (por exemplo Virilio, Baudrillard, Shapiro, Postman) e aqueles ditos utópicos, que vêem nas novas tecnologias um enorme potencial emancipatório, fonte de criação de inteligentes coletivos, de resgate comunitário e de enriquecimento do processo de aprendizagem (Negroponte, Lévy, De Rosnay, Rheingold).
Como vimos essas posturas não são novas, mas fruto do desenvolvimento da tecnologia e de seu imaginário nas sociedades avançadas. Por um lado os neo-luddites que insistem em regular e manter sob controle social as novas tecnologias, alertando contra o seu potencial destruidor (da sociedade, do homem e da natureza). Por outro, os tecno-utópicos que tentam mostrar como as novas tecnologias criam possibilidades inusitadas para a humanidade, sendo uma espécie de panacéia contra os males da tecnocracia moderna.
O neo-luddismo é inspirado no movimento Luddites dos operários ingleses do século XIX que protestavam e quebravam máquinas em plena revolução industrial com medo de perderem seus empregos, a partir da liderança de Ned Ludd (que deu nome ao movimento), "a revolta dos luddites tornou-se exemplo legendário de um movimento anti-tecnológico "[2]. O movimento começou em Nottingham em 1811 e se espalhou pelas fabricas de Yorkshire e Lancashire continuando até 1816 quando começou a enfraquecer. Hoje eles estão presentes na Internet com o intuito de desacelerar os ritmos da informatização da sociedade alertando contra os malefícios da cibercultura[3]. Um dos expoentes é o pensador francês Paul Virilio que, entre outros livros, publicou um de entrevistas com o sintomático título de "Cybermonde. La Politique du Pire"[4]. No site dos luddites on-line encontramos essa introdução[5]:
"Do you loathe computers? Does advanced industrial society really annoy you? Looking for a bike lane on the information superhighway? Luddites On-Line is the only place in cyberspace devoted exclusively to luddites, technophobes and other refugees from the Information Revolution. Our user-friendly graphic interface allows you to discuss strategies for undermining the growing cybourgeoisie and explore luddite-related links on the hated Internet. We even have t-shirts (printed by hand of course). Feeling like roadkill on the infobahn? Tune in, turn off and click here.

Os tecno-utópicos, embora não reivindicando o rótulo, são tidos como aqueles intelectuais para os quais as novas tecnologias representam um novo patamar no desenvolvimento tecnológico do Ocidente, abrindo possibilidades até então inexistentes de comunicação não massificada, de acesso hipertextual à informação e de criação de coletivos inteligentes. Para os tecno-utópicos, as novas tecnologias de comunicação (digital, multimodal e imediata)[6] causam uma reestruturação das estruturas de poder vigentes (mediático, político, social), descentralizando-o. Não é a toa que Negroponte clama por uma "Vida Digital"[7] e Pierre Lévy por uma "Inteligência Coletiva"[8].

Tecno-realismo.
"As technorealists, we seek to expand the fertile middle ground between techno-utopianism and neo-Luddism. We are technology "critics" in the same way, and for the same reasons, that others are food critics, art critics, or literary critics. We can be passionately optimistic about some technologies, skeptical and disdainful of others. Still, our goal is neither to champion nor dismiss technology, but rather to understand it and apply it in a manner more consistent with basic human values.
Manifesto Tecnorealista

O movimento tecnorealista surge nos EUA com o objetivo de encontrar o caminho do meio, alternativo tanto à tecno-utópicos como à neo-luddites. O movimento foi criado 12 de março de 1998 a partir de um encontro de 12 escritores e intelectuais no Bistrô Les Deux Gamins, no Greenwich Village em Nova York. Entre os fundadores estão David Bennahum (Wired, Spin), Brooke Shelby Biggs, Paulina Borsook (autor de "Cyberselfish"), Marisa Bowe, Simson Garfinkel, Steven Johnson (Feed), Douglas Rushkoff (autor de "Cyberia"), Andrew Shapiro (Harvard Law School), David Shenk (autor de "Data Smog"), Steve Silberman, Mark Stahlman e Stefanie Syman (Feed).
O movimento foi criado a partir de um documento proposto por Shapiro, Shenk e Johnson[9]. Hoje o movimento tem um site na Internet (www.technorealism.org), uma lista de discussão (getreal-l[10]) e mais de 1500 assinantes. O movimento tecnorealista, através do seu manifesto, expõe sua visão sobre a cultura tecnológica contemporânea e define sua posição:
"the heart of the technorealist approach involves a continuous critical examination of how technologies -- whether cutting-edge or mundane -- might help or hinder us in the struggle to improve the quality of our personal lives, our communities, and our economic, social, and political structures. In this heady age of rapid technological change, we all struggle to maintain our bearings. The developments that unfold each day in communications and computing can be thrilling and disorienting. One understandable reaction is to wonder: Are these changes good or bad? Should we welcome or fear them? The answer is both. Technology is making life more convenient and enjoyable, and many of us healthier, wealthier, and wiser. But it is also affecting work, family, and the economy in unpredictable ways, introducing new forms of tension and distraction, and posing new threats to the cohesion of our physical communities." [11]

O manifesto tem oito pontos assim explicitados[12]:
1. A tecnologia não é neutra. "Uma grande incompreensão de nosso tempo é a idéia de que as tecnologias estão completamente livre de influências - porque são artefatos inanimados, elas não promovem certos tipos de comportamentos em detrimento de outros. Em verdade, as tecnologias seguem de maneira intencional ou não intencional as inclinações sociais, políticas, e econômicas. Toda ferramenta proporciona para seus usuários uma maneira particular de ver o mundo e caminhos específicos de interação com o outro. É importante para cada um de nós considerar as influências das várias tecnologias e procurar aquelas que refletem nossos valores e aspirações".

2. A Internet é revolucionária, mas não utópica. "A Rede é uma ferramenta de comunicação extraordinária que provê oportunidades novas para pessoas, comunidades, negócios e governo. Como o ciberespaço se torna mais povoado a cada dia, ele assemelha-se a uma grande sociedade em toda sua complexidade. Para todo aspecto potencializador e iluminador da Rede, haverá também dimensões que são maliciosas, perversas, ou bastante ordinárias".

3. O Governo tem um papel importante na fronteira eletrônica. "Ao contrário de algumas reivindicações, o ciberespaço não é formalmente um lugar ou jurisdição separada da Terra. Os governos deveriam respeitar as regras que surgiram no ciberespaço, eles não deveriam abafar este mundo novo com regulamentos ineficientes ou censura; é tolo dizer que o público não tem nenhuma soberania em relação ao que um cidadão errante ou uma corporação fraudulenta faz on-line. Como representante das pessoas e o guardião de valores democráticos, o Estado tem o direito e a responsabilidade de ajudar a integrar o ciberespaço à sociedade convencional. As inovações tecnológicas e as questões de privacidade, por exemplo, são muito importantes para serem regidas apenas pelas forças do mercado. As empresas de software têm pouco interesse em preservar padrões abertos que são essenciais para que uma rede interativa funcione. Os mercados encorajam a inovação, mas eles não necessariamente asseguram o interesse público".

4. Informação não é conhecimento. "Ao redor de nós, a informação está se movendo mais rapidamente e está ficando mais barato adquiri-la, e os benefícios são manifestos. Isso dito, a proliferação de dados também é um sério desafio e requer novas medidas de disciplina humana e ceticismo. Nós não devemos confundir a excitação em adquirir ou distribuir rapidamente a informação com a tarefa mais assustadora de converter isto em conhecimento e sabedoria. Embora com o avanço dos nossos computadores, nós nunca deveríamos usa-los como um substituto das nossas próprias habilidades cognitivas básicas de consciência, percepção, argumentação e julgamento".

5. Interligar as escolas não as salvarão. "Os problemas com as escolas públicas da América --fundos disparatados, promoção social, classe inchadas, infra-estrutura deficiente, falta de padrões-- não tem quase nada a ver com a tecnologia. Por conseguinte, nenhum aporte de tecnologia conduzirá à revolução educacional profetizada por Presidente Clinton e outros. A arte de ensino não pode ser reproduzida por computadores, a Rede, ou por ´educação à distância´. Estas ferramentas já podem, claro, potencializar experiências educacionais de alta qualidade. Mas confiar nelas como qualquer tipo de panacéia seria um engano".

6. A Informação quer ser protegida. "É verdade que ciberespaço e outros recentes desenvolvimentos estão desafiando nossas leis de proteção aos direitos autorais e à propriedade intelectual. A resposta, entretanto, é não esmagar os estatutos e princípios existentes. Ao invés, nós temos que atualizar leis e interpretações antigas de forma que a informação receba a mesma proteção que existem no contexto das velhas mídias. A meta é a mesma: dar para os autores controle suficiente sobre o trabalho deles de forma que eles tenham incentivo para criar, mantendo o direito do público para fazer livre uso daquela informação. Em nenhum contexto a informação quer 'ser livre'. Ela precisa de ser protegida".

7. O público possui as ondas aéreas. "O público deveria beneficiar-se do seu uso. A recente abertura do espectro digital deu margem para o corrupto e ineficiente abuso dos recursos públicos na arena da tecnologia. O cidadão, de forma coletiva, deveria beneficiar-se do uso de freqüências públicas e deveria reter uma porção do espectro para acesso público a usos educacionais, culturais. Nós deveríamos exigir mais uso privado da propriedade pública."

8. Compreender a tecnologia deveria ser um componente essencial de cidadania global. "Em um mundo dirigido pelo fluxo de informação, as interfaces--e o código subjacente--que faz a informação visível está se tornando uma enorme e poderosa força social. Entender as forças e limitações e até mesmo participar na criação de ferramentas melhores, deveria ser uma parte importante na constituição de um cidadão envolvido. Estas ferramentas afetam nossas vidas tanto quanto as leis e nós deveríamos sujeita-las a um mesmo escrutínio democrático".

Realistas?
A partir dos oito pontos várias reações surgiram no ciberespaço como o site do "tecnosentimentalismo"[13], que faz uma paródia do movimento clamando não por um tecnorealismo mas por tecnosentimentalismo, ou o artigo "tecnosurrealismo"[14] de R.U.Sirius, editor da revista californiana (cyberpunk) Mondo 2000, tentando mostra o delírio da imposição do realismo. Vamos voltar mais tarde a esse ponto.
O que pretendemos aqui é fazer uma análise crítica do movimento a partir de suas premissas básicas e dos oito pontos explicitados no seu manifesto[15]. O que alguns críticos vão reter dessa proposta é algo próximo do que diz Gunn: "nós somos críticos da tecnologia, da mesma maneira e pelas mesmas razões que outros são críticos gastronômicos, críticos de arte ou críticos literários."[16]
Poderíamos começar nossa análise explorando o próprio nome do movimento: tecnorealismo. Várias questões emergem: em meio à falência das ideologias (os meta-relatos da modernidade) será possível sustentar mais um "ismo"? Numa época de profundas transformações e incertezas será possível atingir a "realidade" das coisas, ainda mais levando em conta as rápidas metamorfoses do fenômeno técnico? Os tecnorealistas parecem dizer que sim ao querer instaurar um "racionalismo realista" com pretensão à criar o consenso, na herança do pensamento crítico frankfurtiano. A questão aqui é epistemológica: será possível instaurar um novo projeto racionalista em meio a uma contemporaneidade em que o real há muito deixou de ser uma evidência em vários campos (da física à biologia, das mídias de massa à realidade virtual...)? Será possível instaurar o consenso? Nesse sentido, não seria o movimento tecnorealista um resgate da perspectiva moderna ("crítica"), tentando dar um ponto final a essa suposta infantilidade que é ser simplesmente contra ou a favor?
Para responder a isso o movimento tecnorealista argumenta: "...o debate sobre a tecnologia tem sido dominado por vozes extremistas, um novo, mais balanceado consenso tem se configurado. Este documento busca articular algumas das crenças compartilhadas por detrás do consenso, o que temos chamado de tecnorealismo"[17]. Vejamos então os oito pontos do manifesto.
Em primeiro lugar é bom deixar claro que embora o movimento se pretenda planetário (e não é a toa que ele se propaga via Internet) ele é nitidamente americano. A questão da educação (ponto 5) é uma resposta explícita à política americana de interligar todas as escolas e bibliotecas à Internet. Os oito princípios revelam também apenas o óbvio e tanto utópicos como Luddites poderiam estar de acordo com quase todos eles.
Que a "tecnologia não é neutra" todos sabemos. Esse alerta foi dado há algumas décadas por pensadores como Ellul, Mumford, Elias, Habermas, entre outros. Tanto utópicos como pessimistas estão de acordo sobre esse princípio, sendo as conclusões daí derivadas divergentes. Para uns a apropriação social resolve essa não neutralidade, para outros ela é fonte de poder e controle.
Dizendo que a "Internet é revolucionária mas não utópica" os tecnorealistas afirmam que as novas tecnologias estão mudando a nossa maneira de ver e estar no mundo, mas que em si elas não são utópicas. Ora, o revolucionário é a essência mesma da utopia. A utopia depois de Thomas More é o "não lugar" inalcançável, imprevisto, ou "o" lugar, o destino último. Fundamentalmente a Internet é utópica justamente por ser revolucionária. Mas parece evidente que os realistas estão chamando a atenção ao fato de não ser possível insistir que apenas uma mudança de cunho tecnológico (o ciberespaço) possa resolver problemas crônicos da sociedade.
A questão da técnica é desde sempre uma questão social. Que os "governos tenham um papel importante na fronteira eletrônica" nos parece o mais óbvio e o mais unanime dos argumentos. Tanto utópicos como pessimistas têm plena consciência desse fato. Uns lutam por regulamentações (censura, controle, normas, leis) outros pela não intervenção total e pela regulação socialmente sustentada, além da garantia de acesso amplo e irrestrito às tecnologias da cibercultura.
O quarto ponto do manifesto chama a atenção para que não confundamos informação com conhecimento. Mais uma vez, esse argumento faz unanimidade. Os pessimistas sabem disso ao afirmar que o que existe no ciberespaço é uma mera circulação de informações, sem necessariamente trazer um conhecimento articulado sobre um determinado assunto. Os otimistas diriam que no ciberespaço estão as informações, antes privilégios de poucos, disponíveis à todos que, de agora em diante, teriam a possibilidade de reuni-las a partir de caminhos próprios (hiperlinks), construindo um conhecimento autônomo. Tanto na crítica como na exaltação do excesso de informação, o que está explicito é o reconhecimento de que a informação não é conhecimento.
Da mesma maneira que a informação não é conhecimento, a simples ampliação do fluxo informativo não garante melhoria na educação. Esse é o argumento do quinto ponto, que parece também não ser muito divergente entre apocalípticos e integrados. Os pessimistas vêem com razão a informatização da educação apenas como uma investida de marketing que atinge hoje várias escolas e universidades. Estas, na maioria das vezes, contentam-se em dispor equipamentos de acesso a Internet como um forma de modernização, sem necessariamente causar alguma melhoria das condições de ensino, não se preocupando com aspectos pedagógicos ou treinamentos de professores. Por outro lado os otimistas têm consciência de que interligar escolas não vai salvá-las, mas que é fundamental que uma escola aproveite o manancial disponível hoje na Internet.
O sexto ponto do manifesto é o mais polêmico e ao mesmo tempo o mais conservador. Diferente da atitude cyberpunk que marcou o inicio da micro-informática e do ciberespaço, pregando que "toda informação deve ser livre", os tecnorealistas buscam proteger a informação ("a informação deve ser controlada"). A máxima cyberpunk nos parece muito mais arrojada, projetiva e crítica do que a máxima tecnorealista. Os realistas estão preocupados, com justeza, com questões como copyright, privacidade e segurança das trocas de informação. Mas da mesma forma estão também os pessimistas. O que torna o ciberespaço um fenômeno social é a disponibilidade dos internautas em fornecer livremente informações as mais diversas, seja em listas, e-mail, grupos de discussão ou paginas Web. O que mantém vivo o ciberespaço é a informação que circula livremente e não a informação controlada. A generalidade da argumentação a torna inócua (é claro que devem existir informações livres e controladas).
O sétimo ponto também não traz discórdias entre utópicos ou pessimistas. Ele afirma que o público possui as ondas aéreas e que devem utilizá-las em seu benefício com atividades educacionais, culturais e afins. Em Technologies of Freedom[18], Ithel de Sola Pool mostra como a utilização de emissões por ondas aéreas ou terrestre depende da tecnologia e da estrutura social que a organiza. Não há nada de radical ou inovador nesse ponto. O mesmo poderia ser dito do último ponto do manifesto que afirma que "entender a tecnologia é um componente essencial da cidadania global". Quem poderia negar essa afirmação?
Tanto neo-luddites como tecno-utópicos fazem coro nesse ponto. Os primeiros vão afirmar que a tecnologia é importante, mas que pode estar atrofiando a dimensão pública e política ao isolar cidadãos que, de agora em diante, apenas comutam informações binarias entre si. Já os tecno-utópicos vão afirmar que o ciberespaço pode proporcionar aos cidadãos uma nova espécie de "agora-eletrônica", um espaço para formação comunitária e criação de coletivos inteligentes, distribuindo e potencializando novas formas de organização social. Vemos assim que não é nenhuma novidade (ou radicalidade) reconhecer que a relação entre as novas tecnologias e a vida social são fundamentais para o exercício da cidadania.
Podemos dizer que o movimento tecnorealista afirma em seus oito princípios apenas obviedades que não necessariamente o diferencia de utópicos ou pessimistas. Ele tenta chamar atenção para si mesmo, criando mais um "ismo" e tentando resolver a dualidade dos que acham tudo bom ou tudo ruim (não teríamos o direito de amar ou odiar a tecnologia?), numa perspectiva meramente elitista, como mostra Katz[19].
O tecno-realismo parece ser assim uma ideologia de tipo moderno que desacredita seus opostos (rapidamente tachados de otimistas ou pessimistas) como excessivos, forcando-os a entrar na realidade das coisas, de ver o real impacto da tecnologia digital na cultura contemporânea. Como mostra Gunn, os tecnorealistas querem dirigir os debates, aparar arestas e instaurar a hegemonia[20].
O tecno-realismo rejeita assim o visionário e a desmesura, desabonando opiniões divergentes, neutralizando-as no suposto excesso retórico. Como mostram alguns autores, o tecno-realismo é um movimento próximo do legal realism de 1900 nos EUA que pretendeu desenvolver um pensamento crítico em relação ao mercado. A máxima parece ser: "minha argumentação é realista, logo ela é racional, neutra, objetiva, diferente dessas outras excessivamente utópicas ou pessimistas". É interessante notar ainda que autores como Shapiro, Borsook ou Sparkman, criadores do movimento, parecem em seus textos muito próximos dos neo-luddites.
Shapiro vai afirmar o caráter não necessariamente democrático da rede e insiste em dizer que esquecemos a riqueza do face a face; Paulina Borsook mostra os problemas do copyright e vai afirmar que a arte eletrônica é plagiarismo; e R. Sparkman vai questionar o papel do computador na escola dizendo que com ele não há revolução na educação. Assim, parece que o movimento tecnorealista foi formado por "neo-luddites reformados" que, sem querer aderir à crítica radical, mas reconhecendo certos benefícios das novas tecnologias, pretendem-se hoje realistas. Isso beira o tecnosurrealismo.

Tecnosurrealismo.
Contrapondo à euforia tecnorealista, R.U. Sirius (que se pronuncia "are you sirius", ou "você é sério") editor da revista Mondo 2000 e cyberpunk convicto, propõe que a cibercultura já passou quatro fases, chegando agora à tecnosurrealista. A primeira fase é conhecida como "Nerdismo Puro", que durou de 1976 à 1988 e caracterizou-se por uma sub-cultura da informática que pregava que toda informação deve ser livre, que o ciberespaço é de todos e que os computadores devem ser acessíveis e de fácil utilização. A segunda é a "Tecno-anarquista", de 1989 à 1992, fase do amadurecimento do ciberespaço e da celebração do caráter rizomático e anárquico da rede. É a época do apogeu da revista Mondo 2000[21]. A terceira fase caracteriza-se pelo "Tecno-liberalismo", tendo como expoente a revista Wired[22], mostrando a força dos conglomerados do capitalismo pós-industrial e a entrada da Internet na era do comercio eletrônico (e-commerce, e-business, e-money).
Usando da sagacidade e ironia que lhe é particular, Sirius sustenta que a quarta fase da cibercultura é a do tecnorealismo, já superada (durou apenas uma semana: de 12 à 19 de março de 1998). Para Sirius todo realismo sem imaginação é mero reducionismo. E é preciso muito imaginação para viver num fluxo de informação caótico que supera em muito nossa capacidade de entendimento. Não existe assim tecnorealismo, já que não é possível, em meio a essa explosão da informação, a existência de um consenso sobre qual o método real, objetivo, imparcial de conhecermos nossa realidade socio-técnica. O tecnorealismo nasceu e morreu (ou já nasceu morto?) pelo desejo impossível de um pequeno grupo da inteligência norte-americana de encontrar, no entendimento dos impactos tecnológicos, um norte em uma época hiperbólica, uma linearidade em uma época hipertextual. Fundam uma espécie de "tecnopomposidade", como mostra Katz[23]. No fundo o problema, como afirma Sirius, não está na escolha legítima entre ser um otimista ou um pessimista. O real problema da cibercultura está no tecnosurrealismo dos que acreditam em tudo e dos que não acreditam em nada.
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6 comentários:

Unknown disse...

Pô Gostei deste blogger !!!

Espero que isso me incentive a escrever mais porque eu não sou muito de escrever!!!Sobre ontem gostei muito,quando o dinamizador fez umas perguntas sobre Quem viu o jornal e so a uma amiga Respondeu!

Isso pra ver como temos que ficar mais informados abraços.
:Antonio Carlos

Unknown disse...

Uma vida não examinada não merece ser vivida”

O Primeiro Malandro Ocidental.

Luana Ribas disse...

Pois é, eu que gosto de escrever me sinto acanhada diante do dinamizador com suas sábias palavras.. rsrsr mas vamos la, que deixemos a liberdade fluir em nossoa pensamentos e em nossas vidas!

Os Transgressores da Martins disse...

Postar livremente aquilo que puder fluir de si para os outros, isto é ZONA LIVRE!
Não comparar nada! Cada um tem muito a doar.
besos

Unknown disse...

adorei esse blog

aqui todos os transgressores poderam compartilhar idéias e propor desafios para serem superados juntos, como o de deseducar.

Unknown disse...

"É sabio aquele que pôs em si, tudo o que leva à felicidade,ou dela se aproxima."

Sócrates